quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

DA AMIZADE, de Marco Tulio Cicero


Da amizade é um diálogo composto por Cícero em 44. O autor coloca em cena três interlocutores: Lélio, Fânio e Cévola. O diálogo acontece tem como principal causa a morte de Cipião Emiliano, amigo inesquecível de Lélio, que enfatiza em seu discurso a importância da amizade na vida das pessoas, as formas pelas quais ela se manifesta e suas peculiaridades.

No início, Lélio justifica sua amizade com Cipião, como o qual estabeleceu uma relação política e privada, vivenciando situações de paz e guerra. Destaca a amizade como a essência de tudo o que há de puro e sem máculas em uma relação, que nasce sem interesse e é natural. Lélio diz que só entre nos bons pode haver amizade, reforçando sua relação com Cipião e colocando-se acima de qualquer julgamento que afronte sua postura e personalidade. Ao referir-se aos homens de bem, exemplifica com adjetivos inerentes, que comportam pessoas cuja fidelidade, integridade, equidade e liberalidade estão intrínsecas. Não possuem cobiça, libertinagem e audácia. Homens assim, que possuem constância, são homens bons, pois seguiram na medida do possível a natureza, o melhor guia para viver bem.

Lélio, ao falar sobre a natureza, destaca sua importância na relação entre as pessoas, pois ela os molda para viver em sociedade, estreitando-se os laços na medida em que há uma aproximação uns com os outros. Então, há uma maior aceitação entre os parentes, já que os laços que os unem são maiores, tendo em vista que se trata de uma ligação criada pela própria natureza. No entanto, nem sempre os laços parentescos são suficientemente firmes para que a amizade esteja viva e subsista em consideração a essa criação natural. Segundo Lélio, a amizade nada mais é que um acordo perfeito de todas as coisas divinas e humanas, acompanhadas de benevolência e afeição, e exceto a sabedoria, nada há nada melhor que a amizade.

A amizade entre as pessoas é extraordinária. “Que haverá de mais doce que poder falar a alguém com falarias a ti mesmo”? “De que nos valeria a felicidade se não tivéssemos quem com ela se alegrasse tanto quanto nós próprios?” (p. 31). É impossível viver bem sem amigos, pois assim como todos os bens apresentam uma vantagem, amizade envolve em si inúmeras utilidades. Pode-se dizer que a amizade é onipresente; esta estabelece uma comunicação contínua, mesmo se um estiver distante do outro. Vale lembrar que estas qualidades são inerentes a uma amizade verdadeira e perfeita, e nem todas as relações a possuem. Defender a amizade, então, é objetivo primordial daquele que a conquista com fidelidade, constância e justiça.

Manter a amizade com uma pessoa nem sempre significa que essa pessoa relaciona-se reciprocamente com aquele que o tem como amigo, e às vezes, nem o conhece. Podemos considerar amigo aquele que nos conquista pela sua relação respeitável na vida pública e privada, próximos ou semelhantes ao ideal de vida que visamos alcançar. Da mesma forma, uma pessoa pode tornar-se objeto de ódio e desprezo pela sua índole, crueldade e ação contrária ao que julgamos ser merecedora de nossa confiança e consideração.

A existência da amizade não se mede e nem se avalia pela necessidade que se tem em possuí-la. A pessoa que conquista e conserva amigos não é aquela de poucas condições, inseguro de si mesmo. Os que procuram conquistar e conservar amigos são justamente aqueles que têm autoconfiança, é ciente do seu valor e capacidade de discernimento. A amizade nasce através das virtudes e não pela necessidade. Os benefícios que se alcançam através dela não devem ser considerados como o principal motivo para a sua existência, tendo em vista que o maior prêmio é o próprio amor que ela desperta.

Se a amizade é um tesouro de valor inestimável, imagine então o quão difícil é conservá-la até o último dia da vida, pois até nas relações os comportamentos modificam-se, haja vista que cada um tem as suas especificidades, e nem sempre compartilha da mesma visão ou interesses. Lélio considera como o pior flagelo da amizade o apego ao dinheiro ou a disputa de cargos e glórias, típicos de sua época. As desavenças podem ser remediáveis ou desastrosas e podem originar de diversas causas. As queixas não somente sucumbem os melhores relacionamentos, como também gera ressentimentos intermináveis. Segundo Lélio, para escapar dessas fatalidades, não é necessário somente a sabedoria, é preciso sorte.

“Eis, pois, a lei da amizade que se deve estabelecer: nada pedir de vergonhoso, nada de vergonhoso conceder” (p. 53). É uma observação honrosa, que suprime qualquer referência a amizade verdadeira medida por tais comportamentos, em que se espera justificar um ato vergonhoso em nome da dedicação ao outro. Não obstante, é um julgamento oportuno para os dias de hoje, pois em nome da amizade cometem ações infames e inadmissíveis ao real sentido que expressa a amizade. “Assim, maus cidadãos não se deve proteger com a escusa da amizade, mas antes deve ser punido com todos os suplícios...” (p. 58).

Quanto à crítica da tese utilitarista da origem da amizade, uns observam que se deve evitar relações numerosas, para que há haja preocupação expressiva. Se o importante para uma vida bem-sucedida é ter tranqüilidade, então não é sábio aquele que se extenua por muitos. Outros afirmam que ao fazer amigos, devemos buscar apoio e proteção, não benevolência e afeição, pois isso é para fracos e inseguros.

A concepção de Lélio sobre o tema é impressionante. Segundo ele, homens de bem experimentam com seus semelhantes, uma simpatia espontânea, fonte natural da amizade. “Entretanto, essa simpatia também se estende a todos os homens. A virtude não é desumana, egoísta ou orgulhosa, ela chega ao ponto de proteger povos inteiros e velar por seus interesses, o que certamente não faria se recusasse a amar os homens em geral” (p. 65).

Os males que circuncidam sobre essa relação tão forte e ao mesmo tempo tão delicada são muitos. A riqueza de muitos poderosos afasta os amigos fiéis. O homem é naturalmente competitivo. Alguns reagem a essa individualidade judiciosamente e, às vezes, não chega a comprometer suas relações sociais. Outros deixam arrebatar-se pelo desdém e arrogância. Por isso, vemos pessoas que ao ter uma ascensão, desprezam os amigos antigos e procuram novos. Isso nada mais é que a sólida insensatez, que na abundância de recursos, meios e influências, enche de coisas materiais e não conserva os amigos, que na verdade são os verdadeiros ornamentos da vida.

Lélio toma por conveniência fixar os limites da amizade e os marcos do amor, porém, discorda das três teorias existentes a respeito: a que devemos amar nossos amigos como amamos a nós mesmos; que é preciso ter para com os nossos amigos a mesma benevolência que eles têm para conosco; que devemos fazer pelos amigos o que fazemos por nós mesmos. “A primeira não corresponde à verdade, pois exige que a atitude que adotamos a nosso respeito determine nossa disposição para com os amigos. Quantas vezes, com efeito, fazemos pelos amigos o que jamais faríamos por nós mesmos! Instar por eles junto a uma pessoa indigna de nós, suplicar ou repreender asperamente outra, investir violentamente contra uma terceira: são coisas não muito convenientes quando se trata de nossos interesses, mas muito convenientes quando se trata dos interesses dos amigos. E sucede frequentemente que os homens de bem se privam ou se deixam privar de boa parte de suas vantagens para que seus amigos delas usufruam em seu lugar. A segunda teoria é a que define a amizade pela reciprocidade de préstimos e intenções. Ora, isso seria reduzir meticulosa e escrupulosamente a amizade ao cálculo de um equilíbrio perfeito entre o dar e o receber. A meu ver, há bem mais largueza e generosidade na amizade verdadeira, que não cuida em minúcia se perdeu mais do que ganhou. Pois não se deve recear perder que ofertou, semear sem colher ou exceder-se em sua diligência. A terceira definição, porém, é a pior de todas ao determinar que cada um faça pelo amigo tudo quanto fizer para si. Muitos há, com efeito, bem pusilânimes e muito desalentado em melhorar sua condição. Não é sinal de amizade pôr-se nas mesmas disposições de ânimo em que estão os amigos: deveríamos, antes, tentar reanimá-los, insuflar-lhes mais entusiasmo e pensamentos cheios de esperança” (p. 72).

A escolha dos amigos não é tão simples, haja vista que devemos escolher aqueles que são firmes, estáveis e constantes. E só é possível julgá-los antes de pô-los à prova, que só pode ser feita mediante a relação de amizade. Então, a amizade se antecipa ao julgamento e suprime a possibilidade da experiência prévia. Lélio também faz referência a volubilidade que há por parte daqueles que traem a amizade pelo dinheiro ou cargos que denotam poder. Por isso, as verdadeiras amizades são raras entre aqueles que se consagram às disputas de cargos públicos.

Sobre a prática da amizade, Lélio afirma que os amigos antigos, assim como os vinhos que resistem ao tempo, devem ser mantidos com mais encanto. Quando as modificações se sucedem negativamente, então devemos cuidar não só de perder uma amizade, mas de não ganhar uma inimizade. E inconvenientes assim são evitados quando temos a precaução para que a amizade não nasça depressa demais e nem se dirija à criaturas indignas. Verdade é que privamos a amizade de seu mais belo ornamento quando deixamos de respeitar os amigos. “Enganam-se perigosamente, pois, aqueles para quem as paixões e os desmandos podem ter livre curso na amizade; foi para ajudar a prática das virtudes que a natureza nos deu a amizade, não para ser companheira dos vícios” (96). Por isso, Lélio adverte que o amor só deve nascer após o exame, não o exame após o amor.

Da amizade deixa-nos um grande ensinamento, que é o cuidado que devemos ter com os bajuladores, que sempre procurar agradar e nunca dizem a verdade, se esta for uma reflexão. Na amizade nada é pior que a adulação, a lisonja, a bajulação. Os inimigos nos prestam um melhor serviço que os amigos que se mostram cheios de doçura: estes nunca falam a verdade, aqueles não medem esforços em publicá-las. O melhor é condenar o vício dos bajuladores, que sempre falam para agradar. No entanto, há quem goste da bajulação. Por isso, não há homem que dê mais ouvidos aos aduladores do que aquele que a si próprio se vangloria com a máxima complacência. Isso não passa de uma virtude imaginária. “Estes se deleitam com a lisonja e, para concordar com suas vontades, pensam que essa vã tagalerice testemunha seu mérito” (p.110). De fato, não há amizade quando um se recusa a escutar a verdade e o outro está disposto a mentir.

É necessário procurar à nossa volta alguém digno de ser amado e capaz de amar, pois as coisas deste mundo são frágeis e passageiras. Por isso, Lélio diz que seu amigo Cipião nunca deixará de viver, pois o amor entre os dois nasceu pela virtude, e esta não morre jamais. Lélio finaliza o assunto ressaltando que só é possível adquirir amigos verdadeiros tendo a virtude como o seu principal atributo, que a sua exceção, nada é superior à amizade.


Considerações Finais

Ler o livro Da amizade foi imensuravelmente gratificante. A partir da leitura, minha compreensão sobre a amizade se expandiu consideravelmente. Qualquer pessoa que ler este livro passará a tratar este assunto com mais discernimento, haja vista a preciosidade de seu conteúdo. É sabido que os amigos são uma dádiva, mas as escolhas e sua existência deve partir da concepção tratada neste livro, pois aborda com perfeição e sutileza todas as situações relacionada à essência da amizade, suas causas e implicações.

Cícero (Marcus Tulius Cícero) nasceu em 3 de janeiro de 106 a. C. em Arpino, no Lácio. Sua família pertencia à alta burguesia municipal e fazia parte da ordem equestre, a segunda depois da ordem senatorial. Seu pai mantinha relações em Roma com grandes personagens do Estado, mas não nutria nenhuma ambição romana e se manteve à margem da vida política. Cícero faleceu em 43 a. C.

BIBLIOGRAFIA:
Cícero, Marco Túlio, Da Amizade. – São Paulo: Martins Fontes, 2001.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

MÚSICA: MANIFESTAÇÃO DA LINGUAGEM




Desde os tempos remotos, o ser humano usa a música como parte de sua evolução cultural, cuja transformação permeia em seus diversos aspectos, através da composição, que além de importar a melodia, é dada à linguagem uma importância referencial mediante a função evolutiva e comunicativa que exerce. A música é uma das mais antigas e valiosas formas de expressão da humanidade e está sempre presente na vida das pessoas. Na antiguidade, filósofos gregos consideravam a música como “uma dádiva divina para o homem”.


A música é tão velha quanto a origem do homem. Emanuel Martinez, maestro e autor do livro “Regência Coral – princípios básicos”, usa um termo que destaca e reforça esta afirmação quando diz: “No princípio era o ritmo...”, em referência à outra citação bíblia muito conhecida. O ritmo é considerado o princípio da evolução da musicalidade e está na essência de todas as coisas, sejam elas constituídas pela natureza ou pelo homem. Todos os seres estão associados a movimentos rítmicos, que determinam a cadência vital de sua vivência e relação com os outros seres. Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C) disse: “o ritmo é próprio do homem”. Segundo Martinez,
“O ritmo incorpora-se a todas as concepções humanas, no domínio das artes, da ciência, da indústria, do comércio e de todas as civilizações”.


Martinez ainda reforça: “A música tem existido em todos os tempos como recurso de expansão da linguagem humana. A música desde a criação do universo tem seu papel importante em todo o ser humano. A voz humana, primeiro instrumento de sopro ao alcance de todos, originou não só a voz falada como também a voz cantada, a mais primitiva modalidade musical”. Em outras palavras, a música manifesta-se como a alma, a essência do homem e faz parte da sua vida do princípio ao fim. Refletir sobre a importância da música e sua influência na sociedade, portanto, é imensuravelmente significante.


A música é utilizada para as mais variadas situações. É sabido que muitos povos usam o canto no campo de trabalho; os escravos negros do Brasil usavam o canto como forma de aliviar ou atenuar o cansaço no trabalho, os indígenas usam o canto em rituais, para invocar os seus deuses e forças da natureza para fazer chover, para ter uma colheita abundante, etc. Entretanto, alguns estudos já comprovaram que a música também exerce influência sobre outros seres vivos. A revista francesa Science et Vie, nº638, página 95, relata uma experiência realizada com as plantas, que nos impressiona pelo resultado: Vejamos o texto transcrito da revista:
“É duvidoso que os frenéticos da alta fidelidade e os fanáticos dos decibéis se deixem influenciar por uma descoberta de fisiologia botânica, mas enfim, o fato é que as plantas não gostam da música especialmente aquela mais ruidosa: elas podem morrer. Esta constatação vem de uma pesquisa americana realizada por Dorothy Retallack, que coroa uma série de experiências realizadas em diversas centenas de plantas. Todas foram submetidas às mesmas condições de Hygrametria, as plantas são submetidas a uma exposição constante de música, as quais reagem diferentemente aos diversos tipos de música. Assim as plantas que foram submetidas por três semanas ao Rock, acusaram um desvio em seu corpo de 60 graus da direção das caixas de som. Já as plantas que se submeteram, por igual período, a música atonal sofreram um desvio de 15 graus. Já as plantas que foram submetidas à música de órgão de Bach, cresceram direitas sem muitas alterações. Interessante notar que as plantas que foram submetidas à música indiana da cítara de Ravi Shankar, nada sofreram. Madame Retallack, durante estas experiências, tentou modificar a inclinação das plantas, forçando a uma nova postura: nada impedia que elas fugissem dos sons que recebiam, voltando à posição em que foram encontradas após alguns dias de Rock, por exemplo. Foi observado que música suave ou clássica estimularam até o crescimento das plantas, já em vários casos a música ruidosa e forte chegou a matar várias plantas. Falta agora aplicar estas descobertas sobre o ser humano... Sabemos de ante mão que a exposição contínua por duas horas à música, provoca uma diminuição sensível da acuidade auditiva”.


O texto de Martinez a seguir, mostra que a comunicação através da música é essencial para um bom relacionamento entre homens e animais ou para fortalecer a produção da matéria-prima que lhe é conferida:
“os domadores da antiga Roma, utilizavam-se de instrumentos musicais para acalmar e adestrar as feras. Segundo o geógrafo grego Estrabão (63 a.C.-24 d.C.), os elefantes seriam domesticáveis uns pela palavra, outros pelo canto. Conta-se que em Berlim, corria solto um furioso touro; um regente com sua banda teria conseguido dominar o animal. Essa ação despótica do som sobre os animais é a cada dia mais confirmada pela ciência. No nordeste brasileiro é usado este sistema, que recebeu o nome de aboio nordestino: os vaqueiros usam sistematicamente um canto melancólico, por vezes prodigiosamente agudo, entoado em falsete, cheio de vocalizações, com o qual eles ordenam a marcha das boiadas mantendo a calmaria do rebanho. Esse canto, também chamado de pastoreio, é utilizado desde a antiguidade até os nossos dias com o chamado ranz des vaches das civilizadíssimas vacas suíças. Por essa mesma razão as vacas, carregam chocalhos e sinos enquanto pastam. Segundo conselho de um catecismo de agricultura de 1773, o pastor deveria apascentar seus rebanhos cantando, tocando gaita ou qualquer outro instrumento, pois a música encerraria o privilégio, não só de tranqüilizar como afeiçoar os animais à pessoa, além de fazer o gado comer e digerir melhor, contribuindo para uma maior engorda do animal. Sabemos que a utilização de música selecionada nas leiterias aumenta a produção leiteira do rebanho. Em São Paulo, são usados esses sistemas. No entanto nem toda a música serve para este fim. Em Londres, foi executada música de Johann Sebastian Bach (1685-1750), Richard Wagner (1813-1883) e Ludwig van Beethoven (1770-1827) para um certo gado leiteiro, a produção destes diminuiu, no entanto, ao ouvirem a música de Mozart eles liberaram todo o seu potencial leiteiro.”


Entre os animais, a música exerce um papel importante. O canto de um curió, para nós, pode não significar muita coisa, mas para os outros pássaros da mesma espécie e até para outros de espécies diferentes pode significar uma comunicabilidade essencial em suas vidas, relação e reprodução. O fato é que são tantos os exemplos que podemos citar sobre a importância da música da vida dos seres vivos em geral, que poderíamos passar um bom tempo descrevendo-as. No entanto, vamos nos ater-se a influência da música com processo de comunicação entre os homens.


Não houve sequer um momento é que a música não estivesse presente na vida das pessoas. O nível de complexidade musical altera-se com o passar do tempo, mas não perdeu a sua característica de reunir pessoas, pois tem a capacidade de agrupar crianças, jovens e adultos. Alguns grupos se identificam por um mesmo gênero musical, o que reforça e lhes dá a sensação de pertencerem a esse grupo, por possuir o mesmo conhecimento, a mesma vivência e as mesmas inclinações. Na verdade, a aprendizagem musical abre porta para outras informações e expande o conceito de costumes e manifestação da linguagem a partir da cultural musical.



Segundo a psicologia, antes da criança nascer, ainda no útero da mãe, já demonstra sensibilidade ao ambiente sonoro e responde com movimentos corporais. O ambiente sonoro e a presença da música em diferentes e variadas situações do cotidiano fazem com que bebês e crianças iniciem seu processo de musicalização de forma intuitiva. Vários estudos comprovam a importância da música ao ser humano, especialmente às crianças, em fase de desenvolvimento e aprendizado do mundo. Esses estudos revelam que até os seis anos é a hora de encher esses ouvidos de harmonia. Não é para formar músicos que a Musicalização vem ganhando espaço nas escolas, sendo incluídas até no currículo. A música ajuda a afinar a sensibilidade dos alunos, aumenta a capacidade de concentração, desenvolve o raciocínio lógico-matemático e a memória, além de ser forte desencadeador de emoções. Fazer música, principalmente em grupo, no coletivo, traz a noção da importância da ordem e da disciplina, da organização, do respeito ao outro e a si mesmo.


Considerando esta reflexão, a música é essencial no processo
de ensino e aprendizagem de uma criança, e a sua vivência não deve estar desprendida desta forma de expressão que, em geral, é extremamente agradável. Através da música, a criança aprende novos conceitos e desenvolve diferentes habilidades, melhora a comunicação e desenvolve a criatividade, a coordenação e a memória. Nos primeiros anos de aprendizagem musical a criança torna-se mais atenta ao universo sonoro de um modo geral e desenvolve uma atitude de ouvinte, que é muito importante para a apreciação musical e para o relacionamento pessoal. Segundo a professora, compositora e regente Míria Therezinha Kolling, “A música é uma força geradora de vida, uma energia que envolve o nosso ser inteiro, atuando de forma poderosa sobre o nosso corpo, mente e coração. Além de alegrar, unir e congregar mensagens e valores, disciplinar e socializar, a música forma o caráter e favorece o desenvolvimento integral da personalidade, o equilíbrio emocional e social”


Mesmo nos dias de hoje, com toda evolução tecnológica que suprimi e se constitui indispensável à sociedade, nada fará substituir as cantigas de roda, os jogos musicais e parlendas, atividades que simbolizam a infância pela sua pureza e que contribuem para o desenvolvimento pleno da criança.


Às vezes, nos espantamos como as crianças aprendem as letras das músicas tão rápidas. Percebe-se também que, embora esqueçamos de outras línguas que casualmente ou intencionalmente aprendemos, não esquecemos as letras de músicas dessa língua que, na prática, nos pode parecer difícil de expressá-la. Por uma variedade de razões, as canções ficam em nossas mentes e se tornam parte de nós. Isso por que é mais fácil cantar uma língua que falá-la. Então, está mais que provado que a música auxilia no desenvolvimento da língua em crianças mais jovens e tal realidade deve fazer parte de uma didático-pedagógica nas escolas de ensino infantil e fundamental. MURPHEY AND ALBER, 1985, usa o termo “maternês adolescente” para referir-se a língua altamente afetiva e musical que os adultos usam com as crianças. Quando as crianças crescem, esse fenômeno deixa de existir porque elas passar a vivenciar a música com um perfil adulto, em que a essência musical, muitas vezes, passam a ter um valor emocional/sentimental bem diferente daquele que geralmente é expressada quando infante. Sua fascinação pela a música passar a acontecer em provimento das suas necessidades e fascinações e isso reduz a quantia da fala do “Maternês” que recebem.


Piaget (1923), aborda sobre o egocentrismo do pensamento infantil, o qual, segundo ele, ocupa uma posição genética, estrutural e funcionalmente intermediária entre o "pensamento autístico e o pensamento dirigido". (Vigotsky, 1998, p. 14). Segundo Vigotsky, esta é a pedra angular da teoria de Piaget, pois o ponto fundamental de sua teoria é o uso que a criança dá para a linguagem, a qual pode ser dividida em fala egocêntrica e fala socializada. Vigotsky e Piaget descrevem que na fala egocêntrica a criança não tenta se comunicar, pois, o que ela simplesmente faz é um comentário alto do que está fazendo. Embora os dois discordem sobre a função da fala egocêntrica, esse estudo nos faz perceber que a música é um meio pelo qual as pessoas fazem uso do personalismo, tendo em vista que o prazer pela música está em ouvi-la e manifestar-se por esta expressivamente, às vezes, repetidamente.


Uma pesquisa realizada pela Universidade Northwestern e publicada pela Proceedings, a revista da Academia Nacional de ciência dos Estados Unidos, revela que a música estimula áreas do cérebro envolvidas no aprendizado da linguagem. Os autores da pesquisa defendem o reforço no ensino de música nas escolas. "Falar e aprender a ler implica capacidades multisensoriais semelhantes às que os músicos desenvolvem. A educação musical configura a capacidade de escuta, não só no momento de ouvir música ou tocar um instrumento mas também no momento de falar", disse Nina Kraus, diretora do Laboratório de Neurociência Auditiva da Universidade Northwestern e co-autora do relatório. "A pesquisa se revela como ferramenta essencial para ajudar crianças que enfrentam dificuldades com a linguagem e deficiências de aprendizado". A equipe de pesquisa oferece um argumento que reforça essa teoria: a perda do senso de audição, afirmam os estudiosos, causa dificuldades de aprendizado. De maneira oposta, estimular e potencializar ao máximo esse sentido produziria mais benefícios e mais facilidade de aprendizado. Como exemplo, eles apontam que os músicos precisam estar atentos aos sinais musicais de seus colegas, durante as apresentações, e devem ler, sentir e escutar a um só tempo. Essa capacidade repercute de maneira favorável em sua capacidade de comunicação, especialmente a fala.


Falar desta pesquisa é tão essencial quanto buscar o entendimento deste projeto, porque ao discuti-lo, estamos nada mais que evidenciando a importância da música como um processo de desenvolvimento cognitivo e sociológico em relação à linguagem. Parece que nosso cérebro tem uma condição natural a repetir o que ouvimos em nosso ambiente para nos habilitar à compreensão. As canções podem fortemente ativar o mecanismo de repetição do processo de aquisição da língua. Certamente deve acontecer isso com as crianças, que aprendem canções quase sem esforço.


E falando sobre isso, lembrei-me da época em que, ainda criança, passei a estudar a música, pois queria fazer parte da orquestra da igreja a qual eu fazia parte. Estudar partitura não é tão simples, mas para quem sonha em ser música, é algo envolvente e apaixonante. Em poucos meses, já estava apto a dar os primeiros sopros na minha clarinete, que logo estava fazendo alguns arranjos, tal era a minha forte relação com a música.


Antes de juntar-me à orquestra, era necessário participar dos ensaios e testes, onde minha evolução e desempenho eram avaliados. A linguagem musical tinha uma relação considerável com diversas situações, pois saber tocar não significa apenas pegar o instrumento e fazer uma melodia com destreza. É muito mais que isso. Então, nos ensaios, era necessário ouvir os outros músicos, acompanhar o compasso musical sem comprometê-lo, acelerando-o ou retardando-o. Isso exigia uma escuta polida e impecável, bem como uma concentração constante e sem variáveis. Vale ressaltar que a música é uma manifestação que envolve sentimentos. Então, um bom músico sabe discernir com facilidade uma música alegre e envolvente de uma música fatídica e lutuosa.


Quando eu tinha certo domínio com determinada música, era mais fácil executa-la instrumentalmente. Isso porque um músico tem uma facilidade muito grande em memorizar uma música, sua composição e desenvoltura. A mesma coisa acontece com um cantor. A diferença é que a música decora os códigos e o cantor, as letras. As regras servem para ambos e o processo de aquisição da linguagem obtida por eles é similar. Eu tinha mais facilidade de concentração, lia um livro e conseguia interpreta-lo sem muitas dificuldades; minha memória permitia-me decorar textos enormes, principalmente capítulos da bíblia, na época que fazia parte de um grupo de jovens na igreja a qual fazia parte. Meu universo lingüístico tinha como grande protagonista a música, que influenciava parte do meu processo de comunicação. Fui músico por mais de quinze anos, e considero a música responsável pelo desprendimento das várias manifestações da linguagem a que uso ou tenho conhecimento.


Minhas outras ocupações foram tornando-se mais intensas e outros motivos fizeram com que eu saísse da orquestra. Infelizmente, após perder o contato com o universo musical, tenho perdido algumas características adquiridas através da musicalidade, mas parte da minha aprendizagem fixou raízes e contribui como processo de comunicação e expressão até hoje.


As músicas, em geral, usam uma linguagem simplesmente conversacional, repetitiva, parecido com o que os professores de línguas procuram em textos simples. A diferença é que a músicas são emotivas e isso faz delas mais estimulantes que outros textos. Ainda que as canções sejam complexas sintática, lexical e poeticamente, podem ser analisadas da mesma maneira que outros aspectos literários.


A música pode ter um grau de importância considerável em uma cultura, e geralmente, as pessoas ouvem-na através de propósitos, sejam seus ou daqueles que os influenciam. Isso porque a música não tem referências precisas de tempo, raça ou local. Para aqueles que as consideram relevantes, as canções acontecem em toda parte e a todo o momento em que são ouvidas e são, consciente ou subconscientemente, sobre as pessoas em sua própria vida.


Cada sociedade tem sua cultura e nela inclui-se um contexto musical peculiar. Alguns grupos passam a ter um perfil que, às vezes, tem grande influência da música através dos meios de comunicação, a ponto de fazer parte da linguagem e costumes das pessoas envolvidas.


Mais importante ainda, talvez, é que as canções são relaxantes, segundo Murphey (1992). Elas proporcionam variedade e diversão, e encorajam a harmonia dentro de si mesmo e dentro de um grupo. Pouco se imagina que as canções são importantes ferramentas que sustentam culturas, religiões, patriotismo e, até, mesmo revoluções. A música é entendida como uma expressão cultural e como tal pode servir tanto para a expressão dos anseios de liberdade, alegria, amor, solidariedade, etc., como para reforçar a dominação ou formas de resistência, a essa dominação. Por isso focamos as canções de protesto, que remontam histórias, falas e gritos de resistência. Alguns movimentos sociais e musicais que se destacam em determinados períodos, que retratam um contexto, onde foram produzidas estas canções, sua diversidade de protestos, objetivos e conteúdos, e suas relações com a conjuntura social, política e econômica do país.


Quem nunca ouviu falar de Geraldo Vandré e sua música “Pra não dizer que falei de flores”, que possui um contexto histórico que nos remete à ditadura militar e nos faz entendê-la como forma protesto? Sabemos que as revoluções não aconteceram somente no Brasil. Com certeza, as revoluções pelo mundo afora seriam mais insensíveis sem a participação das canções. Canções e marchas militares estimulam multidões a marchar entusiasticamente para os campos de batalha e a sacrificar as vidas em lutas heróicas. Agora, imagine se um professor de história, por exemplo, planejar uma aula sobre a ditadura militar e valer-se de música da época que são uma verdadeira relíquia para uma aula invejável e interessante, não seria um sucesso?


De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), “Art. 35 – O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, para desenvolver a criatividade, a percepção e a sensibilidade estética, respeitadas as especificidades de cada linguagem artística, pela habilitação em cada uma das áreas, sem prejuízo da integração das artes com as demais disciplinas” (SAVIANI, 1997, p.85). No entanto, a obrigatoriedade da Lei, por si só, não garante que o ensino de Arte na escola seja desenvolvido com a qualidade necessária para que os alunos terminem a sua formação escolar fazendo arte, ou seja, compreendendo as múltiplas facetas que envolvem o universo da arte a fim de que “(...) sua produção artística ganhe sentido e possa se enriquecer também pela reflexão sobre a arte como objeto de conhecimento” (BRASIL, 1997, p.43).


Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de ARTE (BRASIL, 1997), o fenômeno artístico é entendido como produto das culturas e como parte da História. Nessa perspectiva, o conhecimento da arte, proposto por este documento, envolve:
“a experiência de fazer formas artísticas e tudo que entra em jogo nessa ação criadora: recursos pessoais, habilidades, pesquisa de materiais e técnicas, a relação entre perceber, imaginar e realizar um trabalho de arte; • a experiência de fruir formas artísticas, utilizando informações e qualidades perceptivas e imaginativas para estabelecer um contato, uma conversa em que as formas signifiquem coisas diferentes para cada pessoa;
• a experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da arte e os elementos e princípios formais que constituem a produção artística, tanto de artistas quanto dos próprios dos próprios alunos”
(BRASIL, 1997, p.43-44).


Trazendo este assunto para a atualidade, passamos a questionar por que a música não é parte integrante e obrigatória no currículo escolar na maioria das escolas. Apenas algumas escolas particulares desenvolvem um projeto pedagógico em que é dada importância à musicalidade na vida da criança. A música é considerada uma arte, e como tal, é tratada como um conhecimento supérfluo, menos importante que os outros componentes do currículo escolar. Pouca coisa se vê nas escolas sobre o ensino de artes, e em particular, da música. Como falado anteriormente, podemos constatar que , se de uma lado, a desvalorização do ensino de artes e de música no contexto escolar, por outro lado, podemos observar que a educação musical tem sido mais valorizada nas instituições particulares, nas quais existe um professor de música responsável para ministrar as aulas. É necessário oferecer às crianças, indistintamente, tanto da rede pública quanto da rede particular de ensino, a oportunidade de conhecer em profundidade a linguagem musical.


Ao fazer um histórico da música como parte do currículo escolar, teremos resultados não animadores. De acordo com PINTO (1998), com a chegado dos portugueses, o ensino na música esteve relacionado com a catequização dos indígenas pelos padres jesuítas. As orações e documentos importantes eram transformados em canções para a conversão dos indígenas ao catolicismo. “Com a música, os padres ensinavam a ler e a contar, utilizando jogos e brincadeiras. Os ensinamentos musicais tinham como base o canto gregoriano, usando mais tarde a modinha popular. Também era ministrado na igreja o ensino de instrumento de sopro e de cordas, mas a forma preferida pelos padres era os Autos peças teatrais religiosas e morais cantadas que eram representadas pelos padres e índios em palcos improvisados dentro ou junto a igreja.” (PINTO, 1998, p.13).


Após a expulsão dos Jesuítas, no período pombalino, o Marquês de Pombal quis estruturar o reino com o absolutismo e propôs uma outra forma de organização do ensino, afetando principalmente o ensino da música. “Com isso, inicia-se o gradativo processo de desligamento da prática musical na escola regular, passando isto a acontecer nos conservatórios e academias, visando mais o aprendizado técnico da música.”(PINTO, 1998, p. 14). Assim, desde a saída dos Jesuítas no século XIII até o início do século XX, pouco se tem feito em relação ao ensino da música em nossas escolas.


Podemos constatar que poucos professores utilizam a música como recurso didático em seu plano de aula. Raro é o plano que contem palavras como CD player, microsystem, composições musicais, etc. – como recurso em um planejamento docente.


Uma pesquisa realizada na Inglaterra impressiona pelas respostas dadas pelos professores sobre a utilização de músicas em salas de aula. Estas foram as respostas. a) Perturba as classes vizinhas; b) Alguns estudantes ficam muito agitados; c) Os estudantes concordam com a utilização de canções e têm gostos variados; d) As canções populares têm vocabulário pobre – muita gíria e péssima gramática; e) É difícil encontrar letras das músicas; f) Os estudantes só querem ouvir, não querem analisar; g) Os professores não gostam de cantar; h) Os estudantes não cantam.

Segundo Murphey, alguns aspectos podem ser analisados numa canção para torná-la útil em sala de aula. a) Estudar gramáticab) Praticar seletiva compreensão auditivac) Ler artigos e canções para propósitos lingüísticosd) Escrever diálogos usando as palavras de uma canção.e) Ensinar vocabulário e a cultura do país) Modificar a letra, de modo a transportar uma situação passada numa situação atual, etc...

Martinez afirma: “A música nas escolas deve visar criar um ambiente mais puro e elevado; propiciar o sentido rítmico que nos leva a cultivar os temperamentos musicais e implantar na inteligência, noções fundamentais da ordem e da atenção; desenvolver a capacidade auditiva e a sensibilidade; familiarizar com a idéia que o movimento é música e que a música é movimento”. Então, podemos dizer que a educação necessita passar por um processo de reformulação, onde seja dada a musica a importância que ela merece. Os dados informam que os educadores pouco entendem sobre o peso que a música exerce sobre a vida das pessoas. Isso quer dizer que os professores devem ser capacitados e aptos a trabalhar uma metodologia que envolva arte, e consequentemente, a música, como elo de transformação do indivíduo no processo de aquisição da linguagem e suas manifestações.


FONTES DE REFERÊNCIA


http://www.escolapaulofreire.com.br/hpprof/valeria/importancia_musica.htm


Referência Bibliográfica: Gamba, Ana Paula – Alto e bom som – Páginas Abertas N.20/2004 – p.26 a 35.

VIGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998

http://usuarios.upf.br/~pasqualotti/vigotsky.htm

http://www.filologia.org.br/pereira/textos/odesenvolvimento.htm

http://www.psicopedagogia.com.br/opiniao/opiniao.asp?entrID=586

BONA, Paschoal. Método Musical. São Paulo: IGAL, 1997.

BRASIL. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

PINTO, Priscila Graner Silva. Musicalização Escolar: vivenciando a música erudita. Campinas: (s.n.) 1998.

http://martinezemanuel.blogspot.com/2007/05/msica-e-influncia-nos-seres-msica-to.html

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997.