INDISCIPLINA
ESCOLAR: DESAFIO AOS PROFESSORES NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Leonilto Manoel da
Cruz
Licenciado em Letras/Inglês, UFRR, especialista em Administração Escolar, Supervisão e Orientação, UNIASSELVI
RESUMO: O
presente artigo tem como objetivo promover uma reflexão sobre a indisciplina
escolar à luz de diferentes olhares, com a intenção de mostrar, a partir dos
pressupostos teóricos, as diversas causas deste fenômeno vivenciado nas
escolas. O trabalho apresenta-se em quatro partes: a primeira traz uma
abordagem sobre o conceito de disciplina e indisciplina; em seguida, é feita
uma análise sobre as causas e sujeitos da indisciplina. Na terceira parte, aborda-se
a função social da escola e aponta caminhos para prevenir a indisciplina por
meio de uma diretriz disciplinar construída coletivamente. Concluindo, são
apresentadas algumas considerações sobre a práxis educativa por meio de uma
postura reflexiva e transformadora da realidade.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação, Indisciplina escolar, Reflexão,
1
INTRODUÇÃO
A indisciplina escolar não é um problema
atual e configura-se como um desafio aos professores por ser intensamente
vivenciada no ambiente escolar. Por isso, faz-se necessário analisar os
diversos fatores que contribuem para a complexidade das causas que faz da
indisciplina um problema que parece resistir a fórmulas, projetos e punições. É
preciso entender como se dá as relações sociais e institucionais, o que faz
pensar que a indisciplina é um fenômeno inerente aos alunos, qual a postura do
professor e sua visão sobre essa questão que o incomoda, o papel da família, da
comunidade escolar e do próprio aluno.
Para Gotzens (2003, 26), há uma tendência
em acreditar que cabe à escola o resolver o problema da indisciplina. Para a
autora, pensar que qualquer problema de comportamento do aluno deve ser
resolvido pela escola é desconsiderar os microcosmos em que os alunos vivem e
que contribuem de forma significativa em suas vidas, como a família, os
vizinhos, os amigos, etc. Assim,
pretender que a
escola seja responsável por tudo quanto afeta o aluno parece-nos superdimensionar
suas possibilidades de atuação reais; com isso, torna-se ineficaz e contribui
para despreocupar outros setores da sociedade que, pelo menos, são tão
responsáveis pela educação e desenvolvimento do sujeito quanto pode ser a
própria escola. (GOTZENS, 2003, 26)
A indisciplina escolar é um tema constante
nos debates que fazem parte do cotidiano na escola, pois ela reflete
diretamente no processo de ensino e aprendizagem. O corpo administrativo
(gestão, coordenação e orientação), professores, pais e alunos devem
envolver-se na busca de soluções para uma escola mais pacífica, pautada na
construção de valores e atitudes que vá ao encontro do ensino e aprendizagem.
De fato, a instituição escolar é uma organização constituída por vários
elementos, os quais cada um tem uma importante contribuição, sendo estes a
família, os professores, a gestão escolar, os alunos, a sociedade do ponto de
vista comunitário. Discutir indisciplina escolar sem refletir como cada um
desses elementos se entrelaça na questão é olhar sobre o problema de modo
fragmentado, levando o resultado final a uma resposta mais vaga e menos
consistente.
Entender
o que é indisciplina não é o suficiente para preveni-la. Combatê-la com medidas
imediatistas é uma receita que não tem dado certo. Então como encontrar
respostas para garantir que a escola seja um ambiente onde as relações sejam
construídas por meio de uma interação dialógica, mais democrática e menos
autoritária? A pretensão não está focada apenas na compreensão das causas da
indisciplina, mas também apontar caminhos, como a construção de um projeto
político pedagógico com uma diretriz disciplinar elaborada com a participação
de todos, de modo a desenvolver um sentimento de pertença e colaboração para um
ambiente de respeito e transformação.
Desse
modo, o presente artigo busca contribuir com uma compreensão mais aprofundada
no campo teórico, bem como trazer à tona a importância da participação de todos
que fazem parte da escola na construção de caminhos pautados na práxis
coletiva. Este trabalho é composto a partir de uma construção teórica, cuja metodologia é a pesquisa bibliográfica manual e
eletrônica. Portanto, trata-se de um
estudo sistematizado e analítico, desenvolvido com bases em material publicado
em livros, artigos e teses. Neste artigo, a pesquisa bibliográfica constitui
todo o embasamento teórico por onde permeia a abordagem sobre a indisciplina
escolar, fornecendo os elementos necessários para estabelecer o diálogo entre
os autores e as considerações sobre o tema.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1
DISCIPLINA E INDISCIPLINA: A COMPLEXIDADE DE SUA DEFINIÇÃO.
Segundo
o dicionário eletrônico Aurélio, disciplina é: “Regime de ordem imposta ou
livremente consentida; ordem que convém ao funcionamento regular duma
organização (militar, escolar, etc.); relações de subordinação do aluno ao
mestre ou ao instrutor; observância de preceitos ou normas; submissão a um
regulamento”.
Toda escola tem suas normas, que é
composta por um conjunto de regras que regula o comportamento dos alunos. A
finalidade é garantir a ordem necessária entre os participantes da escola, de
modo a facilitar o seu funcionamento e solucionar possíveis problemas.
Gotzens (2003, pag.14) chama a
atenção sobre a dificuldade do professor em lidar com os problemas da disciplina,
cuja explicação está na falta de uma formação adequada e na familiaridade com o
tema. O professor, por entender a importância do valor funcional e socializador
da disciplina, elabora, de maneira particular, suas próprias estratégias para
prevenir e solucionar. Para a autora, isso constitui um risco e piora a
situação.
A
autora considera que, antes de lidar com o problema, é necessário conhecer os
princípios que regulam o comportamento humano no aspecto educativo segundo as
suas funções, que são a de prevenção e reparação. Para ela, há três tipos de
conhecimentos que o professor deve compreender: a) o conhecimento científico e
técnico – que trata da definição da disciplina, suas características e funções,
bem como os procedimentos para a sua aplicação; b) o conhecimento de tipo
legal-administrativo – que trata da competência das autoridades educativas no
âmbito legal; e c) o conhecimento contextualizado – que trata da compreensão do
universo relacionado às especificidades dos alunos, como sua idade, a maturidade,
as características sociofamiliares, bem como as características escolares, a
prática docente, a interação entre professor e aluno, entre outras, que irão
nortear o professor na tomada de decisões.
Gotzens
observa que disciplina escolar:
não
é senão um sistema que regula o comportamento dos alunos mediante o
estabelecimento de mecanismos os quais tornam possíveis a ordem no ensino,
mediante a correção sugerida ou diretamente exercida das atitudes consideradas
perturbadoras para essa ordem. (GOTZENS, 2003, pág. 20)
Desse modo, a disciplina do ponto de
vista funcional e instrumental, está ligada a capacidade de ter controle, de
ajustar a conduta e promover a convivência. Para Santos e Nunes (2006, pag. 14),
a escola tem uma importante função, que é a de realizar um trabalho sistemático
e planejado com o conhecimento, valores, atitudes e hábitos. Não é um processo
linear e mecânico, pelo contrário, é um processo complexo e sutil, marcado por
um processo contínuo e permanente de formação do indivíduo. Esse processo só
terá êxito se disciplina fazer parte de seu escopo, considerando que ela
estabelece a ordem e a harmonia entre os participantes do cenário escolar.
Na
contramão desta concepção está a indisciplina. Segundo o dicionário eletrônico Aurélio,
indisciplina é: “Procedimento, ato ou dito contrário à disciplina;
desobediência; desordem; rebelião”. De acordo com Santos e Nunes (2006, pag. 17),
“falar de indisciplina é evidenciar o não cumprimento das regras estabelecidas”.
Porém, os autores ressaltam que é importante focar nos fatores que dão origem
aos comportamentos entendidos como indisciplinares, evitando dessa forma,
restringir à dimensão comportamental do aluno.
Garcia
entende que o conceito da indisciplina é bastante complexo e deve envolver
diversos aspectos. Para o autor,
deve-se
considerar a indisciplina sob a dimensão dos processos de socialização e
relacionamentos que os alunos exercem na escola, na relação com seus pares e
com os profissionais da educação, no contexto do espaço escolar - com suas
atividades pedagógicas, patrimônio, ambiente, etc. (GARCIA, 1999, pág. 102)
Sob
esta ótica, o autor diz que a indisciplina não apresenta uma causa única e
mesmo envolvendo um sujeito único, geralmente tem origem em diversos fatores ou
pode refletir uma combinação complexa de fatores. Garcia entende que essa
complexidade que envolve a indisciplina, bem como suas diversas causas, deve
considerar aquelas externas à escola, e não somente as internas. Entender a
influência dos meios de comunicação, a violência social e o ambiente familiar,
por exemplo, ajuda na construção de um Projeto Político Pedagógico mais
sensível à realidade do aluno, tendo em vista que a disciplina e a indisciplina
são produtos sociais.
2.2
A INDISCIPLINA ESCOLAR: CAUSAS E SUJEITOS
Para encontrar respostas sobre as
causas e sujeitos da indisciplina escolar e estar ciente das ferramentas
necessárias para a intervenção, é necessário um estudo que leve à compreensão
das características deste fenômeno.
Sabe-se que a indisciplina é um grande
entrave no processo de ensino e aprendizagem, prejudica o trabalho do
professor, reduz o aproveitamento dos objetivos traçados e interfere
diretamente na assimilação dos conteúdos. Todavia, ao analisar os diversos
fatores que contribuem para a indisciplina escolar e, sendo coerente com o que
atualmente vemos nas escolas atualmente, as respostas podem levar à crença de
que as causas e sujeitos da indisciplina não residem somente no aluno.
Rebelo (2002, pág.12), apresenta
como tese inicial a concepção de que a indisciplina escolar está relacionada a prática
pedagógica que ela chama de “concepção bancária de educação”. A autora realizou
um estudo enquanto coordenadora de uma escola pública, em São Paulo, e
constatou que “a concepção bancária, adotada pela quase totalidade dos
professores, apontava para um único sujeito responsável pela indisciplina
escolar: o aluno”.
De acordo com a autora, a “concepção
bancária”, praticada pela maioria dos professores, é resultado de uma
má-formação,
resistência às mudanças, inadequação da prática pedagógica desenvolvida em sala
de aula e escolha dos conteúdos presentes num currículo distante da realidade
da comunidade com a qual se trabalha. (REBELO, 2002, 15)
Rebelo diz que Paulo Freire faz crítica
bastante para este tipo de educação, pois transmite o conhecimento de forma
mecânica ao aluno, onde o educador é o “depositante” e o aluno, o
“depositário”. É o tipo de relação que se dá de forma vertical, pautado num
ensino centrado no professor, que se considera o detentor do conhecimento no
processo de ensino e aprendizagem, esperando dos alunos a submissão e a
passividade.
Por isso,
A
educação “bancária” é classificada também como domesticadora, porque leva o
aluno à memorização dos conteúdos transmitidos, impedindo o desenvolvimento da
criatividade e sua participação ativa no processo educativo, tornando-o
submisso perante as ações opressoras de uma sociedade excludente. (REBELO,
2002, 47)
Não é difícil perceber por que a
“educação bancária” é uma das responsáveis pela indisciplina escolar. O
professor, que exige a obediência, o silêncio e a estagnação dos alunos,
denuncia qualquer postura contrária ao que ele considera ser o correto no que
se refere a sua metodologia, a escolha dos conteúdos e as interações entre aluno-aluno
e aluno-professor. Nesse sentido, a “educação bancária” segue um currículo
fechado e excludente, uma ideologia que aprisiona e controla o aluno. Assim,
qualquer ato entendido como indisciplina é de total responsabilidade do aluno.
Ora, se a indisciplina hoje é uma
realidade nas escolas, não seria uma forma de denuncismo do aluno diante desta
“educação bancária” imposta a ele? Vivemos em outros tempos, crianças e
adolescentes crescem numa cultura em meio a um mundo de informações impregnadas
de valores e atitudes, estão mais ativos e autônomos, criam suas identidades
como sujeitos de sua própria história, onde a liberdade de expressão é uma de
suas conquistas mais importante. Assim, a indisciplina é resultado da
resistência dos alunos advindo de uma “educação bancária” que os aprisiona
dentro da escola, na contramão da liberdade que se tem fora dela.
Por isso, Rebelo enxerga na
“educação problematizadora” o caminho que propõe a superação dessa
indisciplina. Nessa concepção, o aluno não é único responsável pela
indisciplina escolar, tendo como composição várias causas e sujeitos:
a
resistência dos professores diante de propostas novas; a prática pedagógica
domesticadora desenvolvida nas salas de aulas; a má-formação docente inicial e
contínua; os pais menos participativos na vida dos filhos; o currículo fechado,
despreocupado com a realidade local; a falta de políticas públicas educacionais
alinhadas com a realidade das escolas. (REBELO 2002, pág. 12)
Percebe-se aqui, que a “educação
problematizadora” não tem como objetivo apontar quem é o culpado pela
indisciplina escolar e sim, de conduzir uma investigação no sentido de
intervir, corrigir, melhorar. Isto significa que a indisciplina é uma questão
de ponto de vista e tem relação com a concepção de educação do educador.
De acordo com Rebelo (2002, pág. 48)
a “educação bancária” é antidialógica por não permitir uma abertura de diálogo
entre o professor e aluno, é opressora por reprovar as manifestações que não
estão de acordo com as normas estabelecidas, não oportuniza ao envolvidos a
práxis educativa, que é a “reflexão-ação-reflexão”. Já a “educação
problematizadora” busca a ruptura do domínio e do ensino centralizado no
professor, tendo como princípio o processo dialógico, onde o diálogo ocorre
numa relação entre professor e aluno de forma horizontal, numa práxis educativa
libertadora.
[...]
pois é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos
endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não podendo refletir-se a
um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se
simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1998, pág.
70 apud REBELO 2002, pág. 50)
A
autora defende a “educação problematizadora” como caminho para a mudança e
transformação, de modo que seja uma prática constante no ambiente escolar como
meio de superar a indisciplina. Oportunizar os participantes do espaço escolar,
dar voz a eles, valorizando as relações, o pensamento crítico e a construção
coletiva por meio da participação e do respeito propicia um espaço democrático
e de manifestações de forma consciente, sem imposição e postura antidialógica.
Assim,
podemos concluir que a disciplina pode ser controle ou libertação do homem, da
mesma forma que a indisciplina pode ser desobediência ou denúncia; tudo depende
do nosso ponto de vista ao olharmos o mundo. (REBELO, 2002, pág. 53)
A indisciplina escolar também tem
como causas e sujeitos os fatores externos: Garcia (1999, pág. 104) procura enumerar estas questões as
quais denomina de causas externas, que dizem respeito à influência hoje
exercida pelos meios de comunicação, a violência social e o ambiente familiar.
Isso indica que a indisciplina escolar pode apresentar-se como sintoma de
relações conflitantes entre o espaço escolar e outras insituições.
2.3 UM OLHAR SOCIAL SOBRE O ALUNO
Muito professores se prendem apenas ao ato de ensinar e
esquece que o aluno é um ser que apresenta uma diversidade de situações que
pode refletir na sua aprendizagem. O professor, que olha para um aluno e
percebe quando ele está calado ou isolado, por exemplo, pode entender isto como
um fator que compromente o alcance do seu objetivo, sendo então a razão para
procurar entender o que está acontecendo. Do mesmo modo, a indisciplina também
pode ser compreendida quando o professor sabe encontrar os meios para
equacionar o problema, ao invés de ver no aluno um sujeito cuja única solução é
fazer relatórios ou colocá-lo para fora da sala.
Schender
(2012, pág. 1) vai mais longe. Ele diz que não há professor sem aluno e que,
portanto, “o professor deve-se conscientizar da sua existência, isto é, a
ligação íntima entre a docência e discência. O objeto do seu trabalho, ensino,
prática, pesquisa, reflexão é o seu aluno”. É o olhar pedagógico, mas também
social.
Paulo
Freire (1996, pág. 96) afirma que a relação entre professor e aluno deve ter
como característica um sistema horizontal de respeito e intercomunicação. Ele
destaca essa relação de respeito que tem de ser criada entre professor e aluno.
Desse modo, o professor poderá realizar seu trabalho e realmente fazer uma
mudança na aprendizagem e na vida de seus alunos. O autor também fala sobre a
afetividade, que, em sua opinião, é o fator fundamental para que se crie uma
boa relação entre professor e aluno.
A
afetividade é um dos fatores principais para diminuir ou evitar os casos de
indisciplina na escola. Para chegar
nesse processo, é necessário que o professor, na sua interação com o aluno,
proporcione um clima humano, seja relacional, seja afetivo. E isso está bem
longe da “educação bancária”, que leva o aluno apenas a
reproduzir determinado conteúdo, sem a existência de tão importante interação.
A afetividade propicia um ensino pautado na busca de uma aprendizagem
significativa, que é aquela que coloca os interesses do aluno como ponto
principal, que abrange o aluno como um todo, em seus aspectos pessoais,
cognitivos e emocionais. Desse modo, a aprendizagem significativa cria um clima
facilitador, em que o processo de ensino e aprendizagem se apresenta ao aluno
por meio da compreensão empática.
Por isso, Paulo Freire (1996, pág. 96)
diz que
... o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o
aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um
desafio e não uma ‘cantiga de ninar’. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam
porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas,
suas dúvidas, suas incertezas.
É importante entender que essa afetividade deve ser dada em
certa proporção para que os papéis de professor e aluno não se confundam. Por
meio da afetividade e da boa relação, o professor poderá criar a autoridade
sobre sua turma e alunos, sem parecer autoritário. Essa autoridade está
diretamente relacionada com a visão que os alunos têm de seu professor e com a
forma com que o professor lida com seus alunos. Freire também aponta o diálogo como
a melhor forma de se resolver qualquer problema e situação junto aos alunos. Através
do diálogo, o sentimento de respeito e autoridade se faz possível no ambiente
escolar.
Partindo dessa premissa, Schender (2012, pág. 6) afirma que o
professor deve conhecer as diferentes dimensões que fazem parte da prática
docente, “não somente para adaptar, mas para transformar a realidade, num
processo de recriação e intervenção”. Isto não se refere somente ao ato de
ensinar, mas também quando se depara com situações de indisciplina.
Compreender
o meio social em que o aluno está inserido é muito importante para o professor,
que estará mais preparado para lidar com casos de baixo rendimento e de
indisciplina. Entender, conhecer a realidade do aluno pode ajudar bastante na
superação de problemas, de modo que o aluno adquira confiança no professor,
estreitando os laços de interação. A realidade do aluno está fortemente ligada
ao meio familiar onde ele vive e qualquer intervenção sobre o aluno sem tentar
entender a configuração familiar pode resultar mais em conflitos do que em
sucesso.
Rebelo
(2002, pág. 69) considera que a família também tem responsabilidade sobre a
indisciplina, pois ela exerce influência no comportamento do aluno na escola. Em
seu estudo, quando coordenadora de uma escola pública em São Paulo, a autora
enumera três tipos de práticas educativas por parte dos pais que influencia no
comportamento dos filhos: Os pais autoritários, que não são de dialogar e pouco
afetuosos. São rígidos e controladores, valorizam a obediência às normas
estabelecidas e não aceitam questionamentos, recorrendo a ameaças e castigos
diante de transgressões. Há os pais permissivos, que são afetuosos e valorizam
o diálogo, mas tem dificuldade em corrigir os filhos ou exercer algum tipo de
controle. São tolerantes e até coniventes com a vontade dos filhos e não
conseguem estabelecer limites. O
terceiro tipo são os pais democráticos, que conseguem maior equilíbrio na
relação pais e filhos, sem a necessidade de controle e regulação e, mesmo sendo
flexíveis a ponto de procurar compreender os filhos, conseguem estabelecer as
regras e os limites sem dificuldade, pois a alta afetividade dá abertura para
uma disciplina sem conflitos.
Certamente, o professor, ao lidar com situações de
indisciplina do aluno, irá identificar em que perfil se encaixa os pais ao
buscar uma intervenção. Ocorrem situações em que os próprios filhos revelam que
tipos de pais ou responsáveis tem, através das suas reações ou da importância
que dão para o ato de intervenção.
A autora afirma que há outras questões sociais importantes,
mas a família é uma das principais causas externas geradora da indisciplina
escolar apontada em seu estudo. Para a autora, é possível buscar resultados
positivos quando se faz um trabalho direcionado ao aluno e à família.
De início, é importante ressaltar que, embora a formação
familiar seja um fator de influência no comportamento do aluno, como já
dissemos, entendemos que seja possível reverter os aspectos negativos dessa
influência: Inicialmente, se não é possível a transformação da família,
consideramos que, a partir da detecção do problema, seja viável buscar mudanças
internas na escola, para que, aos poucos, as mudanças no cerne da família
ocorra. (REBELO, 2002, pág. 74)
Na sociedade
contemporânea, lidamos com configurações familiares diversas. Essas novas
formas em que estão organizadas as famílias também podem refletir sobre a indisciplina
na escola. O mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, tem afastado os
pais ou responsáveis do contato com o filho, as mães não são mais simplesmente
“donas do lar”, buscando uma alternativa para complementar a renda ou sendo
elas próprias as responsáveis pelo sustento da casa. Quando não há uma
adequação a essa realidade, em termos de educação, pode deixar a criança sem
parâmetros que dariam sustentação à formação de sua personalidade.
De acordo
com Santos e Nunes (2006, pág. 16), a família possui grande influência sobre o
indivíduo em fase de amadurecimento emocional. E, embora a família não
transmita todos os valores sociais, ela precisa assumir a sua responsabilidade
educativa. A escola e a família são duas instituições que trabalham o ser o
humano em formação e em desenvolvimento. Compreender a realidade do aluno,
diagnosticar suas dificuldades e buscar soluções em conjunto pode colaborar
para superar os casos de indisciplina na escola.
2.4 A ESCOLA NO CAMINHO CERTO: POSSIBILIDADES DE PRÁXIS
EDUCATIVA
A
escola exerce uma função social imprescindível nos dias de hoje. É o lugar de
adquirir conhecimento e também de promover valores e atitudes, necessários para
que o fazer pedagógico aconteça. Santos e Nunes (2006, pág. 14) falam da imagem
social da escola, onde “a educação, num sentido mais amplo, não deixa dúvida de
sua função social, sendo um fator decisivo da hominização do homem” Para os
autores, a escola possui mais funções do que parece e não se restringe apenas
ao ensino de conteúdos e atribuições de nota.
A educação
moderna vai se configurando nos confrontos sociais e políticos, ora como um dos
instrumentos de conquista da liberdade, da participação e da cidadania, ora
como um dos mecanismos para controlar e dosar os graus de liberdade, de
civilização, de racionalidade e de submissão suportáveis pelas novas relações
sociais entre os homens. (ARROYO, 1995, pág. 36 Apud SANTOS e NUNES, 2006, pág. 15)
Sabe-se que
a origem da indisciplina escolar está ligada a diversos fatores. A causa pode
estar centrada no aluno, na família e outros alheios ao contexto escolar.
Todavia, há fatores geradores de indisciplina que estão ligados ao professor,
ao processo pedagógico e ao campo administrativo. Para Garcia (1999, 101) a indisciplina é uma
fonte de estresse nas relações interpessoais, onde a relação professor-aluno
acontece de maneira conflituosa, tornando-se o principal problema em sala de
aula.
Mas, além de
constituir um “problema”, a indisciplina na escola tem algo a dizer sobre o
ambiente escolar e sobre a própria necessidade de avanço pedagógico e
institucional. Trata-se de uma questão, portanto, a ser debatida e investigada
amplamente.
Então, faz-se necessário refletir
sobre o papel dos profissionais que fazem parte da instituição escolar e como
cada um desses atores lida com a indisciplina. Garcia (1999, pág. 105) defende
a necessidade de a escola desenvolver uma “diretriz
disciplinar de base pedagógica ampla, legitimada pela comunidade escolar e
consonante com seu projeto político-pedagógico”
A verdade é que boa parte dos
profissionais da escola não estão preparados ou tem dificuldade de enfrentar os
problemas de indisciplina, deixando de exercer uma função preventiva e
interventiva que alcance resultados satisfatórios. Mas não basta atribuir ao
professor ou a outro profissional a culpa pela indisciplina. É necessário
compreender a causa que a desencadeia e desenvolver estratégias a serem
aplicadas sobre os problemas geradores de indisciplina. É o tipo de ação que só
será possível através do trabalho coletivo, onde o campo pedagógico e
administrativo somam forças por um objetivo em comum.
O fato é que o professor é o
profissional que está em contato constante com o aluno. Se há indisciplina, ele
precisa assumir sua responsabilidade e transformar a realidade que o cerca e
que o incomoda. Pode ser que até parte dos alunos esperem uma tomada de decisão
por parte do professor, considerando que nem todos os alunos são
indisciplinados e alguns se sentem desconfortáveis diante desse problema.
Golba realizou uma pesquisa do tipo
etnográfica com alunos do Ensino Fundamental durante o seu Mestrado em
Educação, ao que ela denomina de “Os motivos da indisciplina na perspectiva dos
alunos”. A autora considera interessante analisar a indisciplina na perspectiva
dos alunos.
Através da
análise dos dados da pesquisa pudemos constatar a legitimidade da indisciplina
para os alunos. Eles, de fato, conseguem atribuir um motivo e um significado
para as expressões de indisciplina. Quando relatam as expressões de
indisciplina, seja na sala de aula ou fora dela, os alunos expõem os motivos
que os levam a agir daquela maneira. Percebemos ainda, através das falas, que o
significado atribuído por eles seria de natureza pedagógica, ou seja, que a
indisciplina viria para denunciar a fragilidade da prática do professor,
através principalmente, da ausência de planejamento e de organização das aulas,
o que poderia, também, denunciar a fragilidade do currículo. Os alunos relatam
muito bem essa situação utilizando expressões como: “os professores entram na
sala e ficam procurado o que dar naquela aula”, “perguntam onde foi que pararam
na última aula”, “as vezes esquecem que tinham marcado prova. (GOLBA, 2009,
pág. 5)
Para a autora, o professor não pode
ignorar as forças sociais atreladas ao comportamento do aluno. Se para o
professor, a indisciplina está ligada ao comportamento do aluno, os alunos, por
sua vez, apontam as causas da indisciplina relacionada ao fazer pedagógico do
professor. Por isso, Golba (2009, pág. 7) considera que “algo precisa ser (re)pensado, (re)feito e
(re)significado dentro de sala de aula, sobretudo na dimensão da organização
das aulas e do próprio currículo.”
De acordo com Gotzens (2002, pág. 58),
um dos requisitos para evitar a indisciplina é o planejamento do processo de
ensino. Para a autora, o planejamento é o primeiro passado que o professor pode
dar para evitar os problemas de comportamento. O planejamento das atividades,
dos recursos, os procedimentos, os objetivos que o professor pretende alcançar
ajuda não somente o trabalho docente, mas previne casos de indisciplina pela
“falta de correspondência entre as expectativas do professor e as possíveis
respostas dos alunos”, aponta a autora.
Rebelo (2002, pág. 75), em seu estudo
supracitado, afirma que outro fator determinante para a indisciplina é o
currículo escolar que, dentro da concepção bancária, serve como colaborador da
domesticação dos alunos. Para ela, um currículo fechado e estático, onde a
prática docente, a escolha dos conteúdos e a avaliação apenas cumpre o papel de
reprodutor social. Portanto, refletir sobre as implicações do currículo no
contexto de ensino e aprendizagem e as razões que leva a indisciplina a representar
resistência e contestação, bem como buscar uma ressignificação do currículo
enquanto objeto historicamente construído, oportunizará a construção de um
currículo onde a prática pedagógica que ocorre na sala de aula e na escola
possa produzir um contexto favorável ao ensino e a aprendizagem.
Entende-se por currículo escolar um
plano sistematizado e estruturado que busca a construção social do
conhecimento. É composto por eixos que envolvem uma dimensão obrigatória
definida por diretrizes curriculares em comum e uma dimensão política, que
envolve aqueles que fazem parte da escola para a construção do Projeto Político
Pedagógico.
Rebelo (2002, pág. 86) observa que o Projeto
Político Pedagógico, que deve, na prática, ser refletido no cotidiano da
escola, é um documento elaborado apenas para fins burocráticos, perdendo a sua
essência, que é perpassar o tempo todo sobre as atividades escolares. Ora, se a
indisciplina se configura como uma forma de contestação ao currículo
desenvolvido na escola, dificilmente obterá sucesso nas medidas de intervenção
e prevenção se a escola não repensar a função social do Projeto Político e
Pedagógico.
Enquanto coordenadora da escola onde
atuou, Rebelo viu a necessidade da construção de um Projeto Político Pedagógico
problematizador. A autora relata suas dificuldades diante dessa etapa,
considerando que a necessidade de rever o plano escolar requer também a
necessidade de rever a prática docente, havendo uma forte resistência por parte
dos professores.
Estes, diante da
realidade de que eram responsáveis, também, pela indisciplina e pela má
qualidade do ensino, fechavam-se a qualquer atitude que os fizessem tomar
consciência disso, tornando-se ou desconfiados, agressivos e antipáticos ou
aparentemente não demonstravam resistência, aceitando aquilo que era
apresentado nos textos. Segundo Reich, essa é a pior forma de resistência,
chamada de “resistência latente” (1998;41). (REBELO, 2002, pág. 89)
Fica explícita a importância da
equipe pedagógica, em consonância com a equipe administrativa, em buscar de
forma efetiva o envolvimento e sintonia com a equipe docente. O compromisso dos
envolvidos na prática escolar por uma “educação problematizadora”, segundo
Rebelo (2002, pág. 95), irá refletir na qualidade do processo educativo e a
superação da indisciplina na escola.
A gestão escolar tem um papel
decisivo quantos às ações de prevenção e intervenção da indisciplina na escola.
Quando a gestão realiza um trabalho em parceria, com responsabilidades
definidas e dá sustentação ao trabalho pedagógico, as relações interpessoais,
também necessárias no trabalho administrativo e pedagógico, tornam-se mais
harmônicas por meio do trabalho coletivo.
Garcia (1999, pág. 105) ressalta que
o desenvolvimento de uma diretriz disciplinar deve ser amplamente “legitimado
pela comunidade escolar, consoante com o seu Projeto Político Pedagógico”. De
acordo com o autor, quando as diretrizes disciplinares desenvolvidas têm o
envolvimento da comunidade e a participação dos alunos, “favorece o sentimento
de pertença e implica o exercício de algum grau de poder sobre as disposições
coletivas, bases na criação de um senso de responsabilidade comum”. Portanto, é
necessário estabelecer uma relação mais próxima entre escola e comunidade,
envolvendo os pais nas discussões pertinentes às atividades sobre as quais eles
podem contribuir, incluindo a questão da indisciplina.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No
decorrer deste artigo, procuramos abordar a indisciplina escolar à luz de
diferentes olhares. Fenômeno presente nas discussões entre os educadores, faz-se
necessário um olhar mais crítico sobre o problema, assumindo uma postura
reflexiva e transformadora da realidade e da práxis educativa.
Considerando que a indisciplina não
é um problema cuja causa está exclusivamente ligada ao aluno, os apontamentos
que se desenvolveu nesse artigo mostram os diversos fatores geradores da
indisciplina escolar, que está ligada à concepção de educação e às relações de
poder presentes no espaço escolar, bem como às causas externas, que precisam
ser não somente compreendidas, mas também ajustadas por meio de estratégias.
O comportamento considerado
indisciplinado não deve ter como único foco as sanções disciplinares que fazem
parte do regimento da escola. Uma nova compreensão sobre este fenômeno desencadeará
respostas decorrentes de causas mais profundas, como o denuncismo dos alunos
diante da prática pedagógica dos professores e do currículo escolar que não
atende suas expectativas e anseios e, consequentemente, afeta
significativamente o processo de ensino e aprendizagem.
Para lidar com os problemas de
indisciplina vivenciados na escola, é necessária uma sintonia entre os
profissionais da escola, de modo que desenvolva políticas internas com a
participação da comunidade e dos alunos, de maneira que o envolvimento coletivo
seja consciente e responsável e todos se sintam pertencentes à mudança que se
pretende obter.
Embora a indisciplina tenha causas
externas e internas, a superação sobre ela deve partir da escola, que precisa
antes repensar sobre o seu currículo, sua concepção de educação e o modo como o
fazer pedagógico acontece. A transformação perpassa por esse caminho, que
abrirá novos horizontes na missão desafiadora de promover o ensino e
aprendizagem com melhor qualidade e com diretrizes disciplinares mais
conscientes e construídas dentro de uma dimensão preventiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial,
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Buarque de Holanda. Novo dicionário
eletrônico Aurélio 5.0. Positivo Informática Ltda, 2004
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. (coleção Leitura)
GOTZENS,
Concepción. A Disciplina Escolar:
Prevenção e intervenção nos problemas de comportamento. Porto Alegre: Artmed,
2003.
REBELO, Rosana Aparecida Argente. Indisciplina: causas e sujeitos: a educação
problematizadora como proposta real de superação. Petrópolis: Vozes, 2002.