sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Romantismo e Realismo de Eliakin Rufino como instrumento de crítica social e política, no contexto da Literatura Portuguesa.

O ROMANTISMO E REALISMO DE ELIAKIN RUFINO COMO INSTRUMENTO DE CRÍTICA SOCIAL E POLÍTICA, NO CONTEXTO DA LITERATURA PORTUGUESA


Leonilto Manoel da Cruz*


RESUMO

Neste artigo, procuramos analisar a poesia de Eliakin Rufino e contextualizá-la na Literatura Portuguesa, no período do Romantismo e Realismo. Para tanto, procuramos relacionar a criação artística do poeta contemporâneo a alguns escritores portugueses, a partir de uma perspectiva crítico-social e política. Verificamos que, embora com uma linguagem peculiar e pautada na objetividade e clareza,  sua tendência literária  agrega vertentes do Romantismo e principalmente do Realismo, que se manifesta através de uma visao crítica em relação ao contexto atual.

Palavras-chave: Literatura Portuguesa, Romantismo, Realismo, Eliakin Rufino



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* Acadêmico do curso de Licenciatura em Letras – Inglês, da Universidade Federal de Roraima – UFRR

INTRODUÇÃO

O movimento romântico é considerado a primeira manifestação de uma consciência de mundo moderno. Segundo Moisés (1994, p.11), esse movimento herdou as concepções iluministas do século XVIII, por meio das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais causadas pela Revolução Industrial. Junto a essa revolução, as várias correntes de pensamento contribuíram para os rumos assumidos à realidade histórica em que se inseria. O Romantismo transforma as contradições histórico-sociais por meio da representação estética, influenciada pelos ideais revolucionários que se colocavam ao lado dos descontentes.

Alguns autores passam a retratar a situação política e social por meio da escrita, num diálogo crítico entre o artista e a sua realidade, na busca de um mundo novo, que dialogava com os movimentos democráticos e fortalecia o espírito de liberdade da época.

O Realismo, que se inicia a partir de 1860, “enfoca o homem e as mazelas da civilização segundo uma perspectiva sociológica” (MOISÉS, 1994, p.100). A partir dessa circunstância, a produção poética procura contemplar uma tendência filosófico-revolucionária, vertente que procura revelar o que ocorre na sociedade sem ocultar os fatos, através das denúncias das injustiças sociais, das questões do cotidiano por meio da crítica e da objetividade.

Neste artigo, pretende-se verificar como a literatura portuguesa, no período do Romantismo e do Realismo, contribui com a análise de cunho histórico-sociológico que se faz nos poemas selecionados do poeta roraimense Eliakin Rufino. Para tanto, faz-se referência a alguns escritores da época e os pontos em consonância com Rufino, considerando os aspectos intencionais e comunicativos entre eles, marcados pelo estilo que denuncia os dramas sociais e critica a realidade por meio da escrita. As reflexões apresentadas são construídas a partir dessa análise, de modo a estabelecer uma relação pautada na sincronia que aproxima o poeta contemporâneo, de Roraima, do poeta do século XIX, de Portugal, que toma posição nos problemas políticos ou sociais.

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 De acordo com Abdala Júnior e Paschoalin (1990, p. 80), o Romantismo surgiu num período de efervescência política, relacionado ao desenvolvimento da imprensa e afirmação social do leitor burguês, influenciados pelo liberalismo e aos valores que o compõe: liberdade, igualdade e justiça social. Os padrões clássicos já não interessavam a esta sociedade que, movidos pela imprensa, recebem escritores que desenvolveram atividade jornalística. De acordo com os autores, escritores como Garret, Alexandre Herculano e Castilho foram os que mais contribuíram para a afirmação do liberalismo no país.

Em relação a Herculano, Abdala Júnior e Paschoalin (1990, p. 82) diz que este conduz suas produções a um princípio romântico, que é a busca da realidade ideal para o país, por meio da reconstituição das formas sociais mais essenciais de sua história. De acordo com Moisés (1994, p.45) a poesia de Herculano direcionava-se para a “celebração da Liberdade, da nacionalidade e de um destino elevado do povo”. Herculano era um sujeito político, preocupado com as causas históricas, tanto que a temática amorosa é rara na sua produção poética, predominando os temas de caráter político e religioso. Inicia-se como escritor ao publicar “A voz do profeta”, em 1836, cujo título o coloca na condição de visionário, iluminado, e comporta-se como a voz divina. Embora tivesse uma formação católica, Herculano tinha uma posição crítica sobre a Igreja e o Clero, de modo que sua religiosidade se figurava nas questões da vida social e política da época.

O poeta Eliakin Rufino tem uma aproximação às características de Alexandre Herculano. Percebe-se em ambos a valorização da historicidade e da revolução por meio das classes sociais. Segundo Tenório Telles, poeta e crítico literário brasileiro, que apresenta a obra de Rufino, este é
consciente de seu papel no mundo, “escreve” para dizer do seu compromisso com sua terra e sua gente. Seu compromisso sobretudo com a vida e sua continuidade, ao mesmo tempo em que manifesta uma visão crítica em relação a irracionalidade da civilização. (RUFINO, 2011, p.13)

            Ainda em relação à historicidade, o estilo de ambos é marcado pela objetividade. Essa objetividade constroi uma relaçao direta e mais próxima do leitor, que nem sempre agrada a todos, principalmente os conservadores. Herculano “torna-se cada vez mais um escritor combativo, apresentando em sua prática confluências com o pensamento político, social e econômico da geração realista de 1870”. (ABDALA JUNIOR E PASCHOALIN, 1990, p.82). Esse escritor combativo, que se colocava contra o clero e as oligarquias, e defendia a liberdade de pensamento tem hoje, em Rufino, o que podemos chamar de poesia engajada. Percebe-se nas poesias em análise, a consciência do autor, onde o eu poético não foge e nem deixa passar em silêncio os descaminhos da realidade em que vive.

O poema “Cavalo selvagem”, que dá título ao livro, retrata a liberdade de pensamento e a defesa da liberdade da vida, da afirmação do ser. A força metafórica existente no poema não revela apenas do desejo de ser livre, revela também a negação do conformismo, que nos mantém “indomesticáveis”, que nos dá a liberdade de escolher o nosso caminho e escrever a nossa história. E assim é o cavalo selvagem: não se sujeita às acomodações imposta, não aceita o laço que o aprisiona e a venda que aliena os olhos, impedindo-o de enxergar o fardo do jugo e da opressão.

eu sou cavalo selvagem
não sei o peso da sela
não tenho freio nos beiços
nem cabresto
nem marca de ferro quente
não tenho crina cortada
não sou bicho de curral
eu sou cavalo selvagem
meu pasto é campo sem fim
para mim não existe cerca
sigo somente o capim
eu sou cavalo selvagem
selvagem é minha alegria
de ser livre noite e dia
selvagem é só apelido
meu nome é mesmo cavalo
cavalo solto no pasto
veloz carreira que faço
lavrado todo atravesso
caminhos no campo eu traço
eu corro livre galope
transforme galope em verso
eu sou cavalo selvagem
sou garanhão neste campo
eu sou rebelde alazão
sou personagem de lendas
sou conversa nas fazendas
sou filho livre do chão
eu sou cavalo selvagem
meu mundo é imensidão
(Cavalo Selvagem, p.19-20)

Outra característica que é importante ressaltar está na observação que Abdala Junior e Paschoalin (1990, p.87) faz sobre Herculano, quando dizem que em seus poemas, “a religiosidade alterna-se com um certo panfletarismo”. Esse panfletarismo, de acordo com Marques (2012, p.42), se verifica pelo teor “político-messiânico” de sua primeira obra. Para o autor, dentro da concepção romântica, “Herculano assume, em seu texto Panfletário, uma postura inerente ao gênio romântico que, transcendendo sua mera condição de indivíduo, comporta-se antes como a Voz, o Guia, enfim, o Profeta”.

E onde Rufino se encaixa nesse contexto? Analisemos, então, o poema “Fazedor de versos”

hoje chegou na cidade
um poeta fingidor
um fazedor de versos
um cantor

escreve versos de amor
para os amantes
escreve versos de adeus
para os distantes

versos de esperança
e de carinho
para quem necessita de luz
em seu caminho

verso de todo tamanho
para qualquer situação
verso água com açúcar
verso bala de canhão
(Cavalo sevagem, p.53)

            Embora o poema não tenha marcas de religiosidade, percebe-se que o eu-lírico coloca-se como alguém capaz de “iluminar” os caminhos daqueles que necessitam de esperança. O eu-lírico marca posiçao, diz para que veio e exprime que a sua voz (seus versos) são para qualquer situação: “água com açúcar “ ou “bala de canhão”. Neste sentido, percebe-se que a idéia romântica do poeta não é apenas de amparar ou servir de apoio, mas também de protesto e contestação.  

Não cabe aqui tecer considerações entre poesia panfletária e poesia engajada, entre o conteúdo de uma e sua conexão com a outra. O mais importante está na função que a poesia exerce, que é de despertar a consciência crítica do leitor, através da relação entre o poeta e o homem, o sujeito histórico. Ao constituir-se como um guia, uma voz capaz de causar esse despertamento, cria-se a possibilidade de mudança, de transformação e participação da construção histórica, do ponto de vista político e social.

No século XIX, há a transição do Romantismo para o Realismo. De acordo com Abdala Júnior e Paschoalin (1990, p.99) o desenvolvimento da imprensa faz com que a produção literária cresça acentuadamente. O leitor tinha em mãos jornais, revistas, romances

e, naturalmente, queria ver seus problemas retratados na literatura. Dessa forma, cria-se bases para a representação da realidade cotidiana, com a abordagem dos problemas sociais, econômicos e psicológico desse novo público leitor.

            É nesse contexto que se inicia a literatura engajada, que denuncia os dramas sociais existentes e critica a realidade a partir da escrita. A partir daí, buscava-se a produção de uma literatura mais voltada para o social, para a realidade exterior. “A neutralidade, entretanto, não existe, e os artistas aparecem, de forma explícita ou implícita, como defensores dos valores ideológicos de sua época” (ABDALA JUNIOR e PASCHOALIN, 1990, p103). A partir de 1965, a insatisfação com os rumos políticos que Portugal tomava, influenciado pelo regime liberal, fez com que alguns poetas se posicionassem contra a burguesia e a classe elitista. Nesse contexto, Moisés (1994, p. 105) diz que a produção poética vislumbra a tendência “filosófico-revolucionária”, “poesia engajada, contrária ao anquilosamento das estruturas sociopolíticas do Portugal oitocentista”. Entre os poetas que se enquadram nesta tendência, o autor cita Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, Gomes Leal e Antero de Quental

        Em relação a Rufino, percebe-se que este é um escritor bem mais realista que romântico, pautado numa ideologia e consciente de que, ao representar a vida através da arte, possibilita ao leitor uma tomada de reflexão sobre a realidade que o cerca. Uma das poesias desses autores portugueses que constrói uma relação com o poema “Cavalo selvagem” de Rufino, é o poema “Elogio do Selvagem” de Gomes Leal.

Eu quisera viver nesses tempos fagueiros
Das matas virginais e das florestas bravas,
Em que gigantes bons, cabeludos, trigueiros,
Não tinha da mentira as abjeções ignavas.

Não moravam então em cidades escravas
Trilhavam largamente, alto como pinheiros,
As matas dos bambus, dos cipós dos coqueiros,
Sem frechas, sem farpões, sem arcos, sem aljavas.
(...)

            Nesta poesia, o eu-lírico é consciente da importância da liberdade, em que o homem, para ser feliz, não carece de ciência e sim, de consciência. Na edição de “Teses selvagens” de Gomes Leal, alguns títulos são centrados “na ideia da monstruosidade humana, produto de todas as energias bestiais do Caos denominado civilização”. (MASSAUD MOISÉS, 1994, p.114). Entre esses títulos podemos citar “A Civilização é uma mentira”, “O homem é progressivamente mau”, “Civilizar significa rapinar” e “A civilização mata a moral”. O poema em questão vem retratar esse pensamento forte, numa denotação de revolta do eu-lírico.

            Eliakin Rufino, além de poeta, é cantor, compositor e filósofo. Daí percebe uma tendência filosófica em suas poesias, onde o filosofar e a sua criação poética tem algo em comum. O autor não se afasta da realidade cotidiana e apreende a realidade pela arte, cuja sensibilidade versa sobre os fatos da vida, seja pela admiração, seja pela contemplação do mundo que o sensibiliza e o inspira a manifestar-se.

Pode-se dizer que filosofia e poesia partem da admiração, ou da admiração contrariada, o que é o mesmo. Pode-se dizer que ambas vivem da pergunta. Mas o filósofo busca, de alguma maneira, a resposta, o que não acontece com a pergunta poética: o poeta responde às coisas, no sentido de que as esposa, antes de toda pergunta filosoficamente entendida. Para o pensador, a pergunta surge, já no seu ponto de partida, como que “perturbada” pelo espírito crítico inerente à atividade filosófica  (BORNHEIM, 1969, p.67)

            Bornheim (1969, p68) diz que “a experiência poética é a experiência do mundo, no mundo”, ou seja, a poesia constrói uma consciência entre homem e mundo, expressa pela visão da realidade. Mas o filósofo vai além, ele explora por meio da experiência, essa visão da realidade por meio da ordem das razões, buscando explicitá-la, ainda que seja mediante o conflito. Para o autor, a filosofia busca cercar a poesia, expressando a realidade por meio da análise, e a sua virtude é o rigor.

Todavia, para falar sem ter medo de questionar, não basta apenas filosofar. É preciso ser livre. E liberdade, na concepção de Rufino, significa não se submeter ao domínio do outro, não subjugar-se, ser sujeito consciente, sentir-se existente e parte do mundo, livre para pensar e expressar-se no mundo em que vive. Essa liberdade, já retratada em “Cavalo selvagem”, também pode ser compreendida no poema “Falando em liberdade”:

eu falo de liberdade
como quem fala de pão
de algo que se reparte

eu falo de liberdade
como quem fala de arte
de algo que se inventa

eu falo de liberdade
como a dos anos sessenta
“faça amor não faça guerra”

eu falo de liberdade
como quem fala da terra
a que todos têm direito

eu falo de liberdade
porque carrego no peito
uma flecha atravessada

eu falo de liberdade
como quem fala de amor
para a pessoa amada
(Cavalo selvagem, p.54)




 CONSIDERAÇÕES FINAIS


A produção poética de EliakinRufino, mais realista que romântico, acaba por romper a fronteiras diacrônicas que  procurar balizar a criação artística. Nota-se, no escritor, a sua preocupação em relacionar a produção poética com os problemas sociais pelos quais perpassam o homem. Ao analisar as experiências literárias desse autor, percebe-se o discurso poético voltada para uma manifestação consciente da existência, que trata da realidade por meio de uma linguagem cuja manisfestação estabele relações como o Romantismo e Realismo de Portugal.

A utilização de uma linguagem objetiva, para não dizer prosaica, expressa a necessidade que o autor tem em falar do real, com a finalidade de fazer-se presente e legitimar a sua criação. Portanto, percebe-se que Rufino tem uma vertente bastante autêntica quando mostra para que veio, sem preocupar-se com os julgamentos da elite política ou “burgueses” atuais. Ao falar da liberdade, o autor contempla os anseios já introduzidos pelo Romantismo português, que se fortalece a partir do Realismo e prossegue na atualidade, embora esteja ciente de que colocar-se criticamente em relação a realidade tem consequências que se sucedem por meios dos conflitos daqueles que à sua ideia libertária procuram resistir.

  

REFERÊNCIAS

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990

BORNHEIM, Gerd A. Filosofia e Poesia. São Paulo: Globo, 1969

MARQUES, Wilton José. Alexandre Herculano e A voz do profeta. Ensaios Navegações. Porto Alegre, v.5, nº1, p. 40-47, 2012

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa em perspectiva. Coord. Carlos Alberto Vechi et al. São Paulo: Atlas, 1994

RUFINO, Eliakin. Cavalo selvagem. Org. e apresentação: Tenório Telles. Manaus: Valer, 2011

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