Obs.: Este trabalho é de Leonilton Cruz, Letras/UFRR. Não é o trabalho final, por isso alguns pontos necessitam de revisão.
Sobre o autor
Raul D’Ávila Pompéia, filho de Antonio D’Ávila Pompéia e
de Rosa Teixeira Pompéia, nasceu em 12
de abril de 1863 em Jacuenga, atual Angra dos Reis. Em 1873, veio com sua
família para a Corte, no Rio de Janeiro, onde foi interno no Colégio Abílio, um
famoso estabelecimento dirigido pelo educador Abílio César Borges, conhecido
com Barão de Macaúbas. Destacou-se como
aluno inteligente, aplicado e bom desenhista e caricaturista, chegando a
redigir um jornalzinho, “O Archote”. Aos 14 anos, em 1877, continua seus
estudos no Colégio Pedro II, época em
que publicou o seu primeiro romance, Uma tragédia no Amazonas (1880). Em 1881,
iniciou o seu curso de direito na Faculdade Largo de São Francisco, em São
Paulo, onde participou de movimentos abolicionistas e republicanos. Durante seu curso, iniciou a publicação do Jornal do Commércio de São Paulo, dos
poemas em prosa e Canções sem Metro. Após ser reprovado no terceiro ano,
transferiu-se com 93 acadêmicos para a Faculdade de Direito de Recife, onde
concluiu o curso.
De volta para o Rio de Janeiro, escreveu crônicas,
folhetins e contos e em 1888, publicou o romance o Ateneu, que lhe consagrou
como escritor. Após a proclamação da República, foi professor de mitologia da
Escola de Belas Artes e posteriormente, diretor da Biblioteca Nacional.
Prosseguiu em suas atividades de jornalista político, revelando-se como um
“florianista” exaltado, causando divergências em seu meio. Em 1895, no enterro
de Floriano Peixoto, fez um discurso exaltado contra Prudente de Morais,
sucessor na Presidência da República. Suas posições polêmicas acabariam por
levá-lo à demissão de seu cargo de diretor da Biblioteca Nacional. Passa a ser
duramente criticado por seus opositores e impedido de publicar seus trabalhos
no Jornal A Notícia, passa por um
abatimento profundo. Isolado e rompido com seus pares, suicida-se com um tiro
no peito, na noite de Natal de 1895, no Rio de Janeiro.
Principais
Obras
Uma tragédia no Amazonas (romance) – 1880
As jóias da Coroa (panfleto satírico) – 1882
Canções sem metro (prosa poética) – 1883
O Ateneu (romance) – 1888
Resumo
da Obra
O Romance começa com os
primeiros contatos de Sérgio, aos 11 anos, com o Ateneu e sua apresentação a
Aristarco e D. Ema antes de ser admitido no colégio. Sérgio teve aulas de um
professor em domicílio e visitara duas vezes o Ateneu antes de sua instalação. O
pai que lhe diz a porta do Ateneu: “Vais encontrar o mundo. Coragem para a
luta”, faz com que o menino um novo ciclo em sua vida, distante do aconchego do
lar, dos carinhos e do amparo familiar. Sérgio logo perceberá o significado das
palavras do pai e o que está por trás das boas impressões que o internato causa
fora dele. Ocorre a análise preliminar do internato pelo
narrador.
O professor Mânlio
recomenda Sérgio à Rebelo, um de seus melhores alunos, que lhe faz as primeiras
revelações sobre o ambiente perigoso do internato e a necessidade de ser forte
e não admitir protetores. As primeiras aulas são os contatos iniciais e análise
dos colegas de classe, com destaque para Rebelo, Franco, Sanches e Egbert. Na
primeira aula, ao ser interrogado pelo professor Mânlio, Sérgio é acometido por
um forte pavor e desmaia. Levado para a rouparia, encontra um folheto obsceno. Tem
o seu primeiro desentendimento com Barbalho, com quem briga.
Aristarco tinha o
hábito fazer pela manhã a leitura das notas, motivo de constrangimento e terror
para os alunos, em que os fortes eram enaltecidos e os fracos desmoralizados.
A narrativa dá destaque
para o episódio do banho e o afogamento de Sérgio que é salvo por Sanches, que
se torna o suspeito de ter causado o acidente intencionalmente. Grato, Sérgio
se aproxima de Sanches, e favorecido pelo ótimo desempenho escolar deste, que
era o primeiro da turma, melhora o seu rendimento nas notas. Mas a relação
entre os dois se torna indelicada para Sérgio mediante as insinuações de
Sanches, que o assedia. Sérgio se afasta de Sanches e este, vigilante que era, usa
de sua influência para atingir Sérgio e vingar-se.
Sérgio tem seu nome
anotado no “livro das notas”, no qual eram registradas as ocorrências e a indisciplina
dos alunos, que ia à público por Aristarco nas refeições. Sérgio entra numa
fase de desânimo e vivencia um período de misticismo e de religiosidade
particular, após encontrar uma gravura em cartão de Santa Rosália, que torna
sua padroeira.
A fama de mau aluno o
aproxima de Franco, que para se vingar das humilhações sofridas, espalha caco
de garrafas de vidro durante a noite na piscina onde os alunos se banhavam pela
manhã. Sérgio acompanha o ardil propósito de Franco e atormentado pelo remorso
e cumplicidade, perde o sono ao imaginar a tragédia iminente. Desespera-se e na
capela do internato, reza a sua padroeira e acaba adormecendo. No dia seguinte,
é acordado e ao questionar sobre o tanque, é informado que a piscina foi
esvaziada para trocar a água que estava suja de repetidos usos e os meninos se
banharam no chuveiro. Sérgio deixa de lado o misticismo, perde seu fervor pela
religiosidade e confere à Santa Rosália a simples função de marcador de livros.
Conta ao pai o que era realmente o Ateneu. Passa a encarar a vida de outra
maneira e toma uma postura independente, enfrentando, inclusive, a autoridade
de Aristarco.
Um novo aluno chega no
colégio: Nearco, valoroso ginasta, filho de uma nobre família pernambucana.
Torna-se membro do Grêmio Literário
“Amor ao saber” e revela-se um excelente orador. Sérgio comparece nas
reuniões como simples assistente. Passa a freqüentar a biblioteca e faz amizade
com o gaúcho Bento Alves, que trabalhava como bibliotecário. A amizade entre os
dois torna-se muito íntima e passam a ser alvos de comentários e piadas dos
colegas.
Os olhares se voltam
para um crime passional, resultado da disputa entre um jardineiro e outro
funcionário pelo amor de Ângela, que confessava a um e a outro a sua
preferência. Bento Alves torna-se conhecido e respeitado por segurar o
assassino.
Barbalho passa a fazer
insinuações sobre a amizade de Sérgio e Bento Alves. Para tanto, Barbalho se
constituía como um fiscal oculto de seus passos e vê na inimizade entre
Malheiro e Bento Alves uma forma de provocá-lo severamente, incitando um contra
o outro. Durante uma sessão do Grêmio, Bento Alves e Malheiros brigam
violentamente. Malheiros apanha e Bento Alves é surpreendido por uma ordem de
prisão de Aristarco. Então, escreve uma carta para Sérgio, informando-o.
Uma exposição artística
marca o início do segundo ano no Ateneu. Nessa volta, o comportamento de Bento
Alves muda e, sem explicações, volta-se contra Sérgio assim que o vê e o
espanca. Sérgio reage e no calor da briga, agride também a Aristarco que,
curiosamente, não toma providências sobre a agressão sofrida e se silencia.
Bento Alves sai do Ateneu.
Um escândalo envolvendo
dois alunos é descoberto por meio de uma carta encontrada por um dos
inspetores. Na carta, Cândido se passa por Cândida e aceita um convite de
Emílio para um encontro no jardim. Aristarco os humilha-os publicamente e
também outros alunos que sabia do fato e não teriam denunciado ao diretor. Para
não envolver a credibilidade do internato, Aristarco, que nada lucrava com o
escândalo, decidiu não expulsar os alunos e abrandou o caso.
Sérgio conhece pela
primeira vez a verdadeira amizade com Egbert, com quem compartilha um
relacionamento sem interesses, de admiração e bons momentos construídos. Sérgio
dedicava-se a Egbert o tinha com ternuras de um irmão mais velho. Os dois
recebem o convite de um jantar na casa de Aristarco por terem se destacado nos
estudos e Sérgio tem a oportunidade de rever D. Ema, que o reconhece. Nasce em
Sérgio um apego e encantamento por D.
Ema, uma relação ambígua de mãe e mulher. O amor fraternal entre Sérgio e
Egbert se esfria e Sérgio passa a dormir do alojamento dos alunos maiores, fato
que os afasta ainda mais. É a época dos exames na secretaria de Instrução
Pública. Num ambiente mais masculino, vive com os meninos mais velhos outras
peripécias. A camareira Ângela desperta neles uma incontrolável sensualidade,
que os faziam ficar fora do dormitório nas saídas noturnas e espiar o sono do
inspetor Silvino, por quem tinham que passar para chegar ao jardim da casa de
Aristarco.
Sérgio visita Franco e
o encontra doente. Encontrava-se nesse estado desde a última vez que tinha ido
para a prisão. Recebe a visita dos médicos duas vezes, que recomendou não
deixar Franco exposto ao sereno. Morre alguns dias depois.
Chega o fim do ano
letivo. Os alunos fizeram uma cota e construíram um busto em bronze do diretor
que, à princípio se sente lisonjeado, mas depois vê na estátua uma espécie de
rivalidade, com a qual competia. Ocorre
a premiação dos alunos, com a presença da princesa Isabel.
Após as festividades,
Sérgio adoece de sarampo. A família tinha viajado para a Europa para tratamento
de seu pai e devido a isso, permanece na enfermaria da escola no período de
férias. A presença de D. Ema era constante, que cuida de Sérgio, cuja dedicação
se confunde e intensifica os conflitos internos, os quais Sérgio não consegue
distinguir.
A obra se encerra com o
fim da instituição, destruída por um incêndio, propositadamente causado por
Américo, um aluno revoltado que, recém admitido, estava ali forçado pelo pai. Aristarco
assiste a seu patrimônio sucumbir, devorado pelas chamas. D. Ema o abandona.
As
personagens
Sérgio:
Personagem
central. A história é contada a partir de sua ótica. Criado no aconchego do lar
sob carinhos maternos, penetra no mundo do Ateneu aos onze anos. Como
protagonista, é um menino sem experiência e tímido, mas como aluno interno, aos
poucos se familiariza com o sistema pervertido do internato e torna-se amargo e
sarcástico, momento em que Pompéia assume os moldes de protagonista-narrador.
Sérgio passa por uma vivência dolorosa, perde a sua pureza e compreende a
realidade do universo do internato, que nada mais é que um reflexo da sociedade
no mundo além dos muros do colégio.
Aristarco:
É
o diretor do Ateneu. Seu nome, que significa “governo dos melhores” revela o
seu modo autoritário e insensível de governar. É egocêntrico e moralista. Seus
interesses não se pautam apenas sobre o ponto de vista pedagógico. Tem a escola
como um comércio, colocando-o como uma vitrine aos olhos da sociedade.
Ema:
Mulher
de Aristarco. Sua figura pode ser compreendida a partir de dois ângulos: como
mãe, pela sua ternura, compreensão e cuidados e como mulher, devido a sua
presença feminina diante dos meninos em processo de descoberta da sexualidade.
Angêla:
Camareira
de D. Ema. “Grande, carnuda, sanguínea e fogosa” (Cap. V). É a materialização
do sexo. Costumava assistir aos banhos dos rapazes e torna a figura central no
assassinato que ocorre no colégio.
Dr.
Cláudio: Professor, palestrante, íntegro. Figura como Raul
Pompéia adulto.
Franco:
O
bode expiatório de todos, sobre o qual se descarrega toda a violência,
inclusive de Aristarco.
Sanches:
O
sedutor. Oferece proteção aos meninos novos e os ajuda nos estudos, com
segundas intenções.
Bento
Alves: Amigo íntimo de Sérgio, a quem o estima
femininamente. É forte e conhecido por todos.
Rebelo:
Aluno
exemplar, com quem Sérgio tem seus primeiros contatos, recebendo seus
conselhos.
Egbert:
Aluno
com quem Sérgio construiu sua melhor amizade.
O
contexto histórico-social
A partir de 1850, a
campanha abolicionista se intensifica e após a Guerra do Paraguai (1864-1870),
o movimento republicano ganha força no país e
em 1870, é criado o Partido Republicano. As idéias do liberalismo e da
democracia ganham mais espaço. A monarquia entra em decadência e 1888 (mesmo
ano da publicação do romance O Ateneu) vigora a Leia Áurea, que cria uma nova
realidade: o fim da mão-de-obra escrava, substituída por mão-de-obra
assalariada dos imigrantes europeus.
A indústria se
desenvolve cada vez mais, ao mesmo tempo em que a ciência se evolui e passa a
ter uma importância fundamental para a explicação do mundo físico a partir da
experimentação e observação da realidade. O Capitalismo se fortalece e o
crescimento a população urbana, a desigualdade econômica e o surgimento do
proletariado provocam profundas transformações econômicas, políticas, sociais e
culturais a partir da segunda metade do Séc. XIX.
É nesse contexto que
Raul Pompeia realiza a sua obra-prima O Ateneu. Uma época em que os colégios,
instituições de ensino das elites, eram rigorosos e valorizavam quem tinha mais
poder aquisitivo. O Ateneu era um internato freqüentado pela elite brasileira,
no Rio de Janeiro, durante a segunda metade do século XIX.
O
contexto literário
O Contexto literário
está fortemente ligado ao contexto histórico político-social da época. Na
segunda metade do século XIX, os movimentos que mais marcaram época foram o
Naturalismo e o Realismo, embora o Parnasianismo, o Simbolismo, bem como o
Impressionismo e o Expressionismo também tenham contribuído significativamente
nas transformações literárias deste século e que culminam com o Modernismo.
Em O Ateneu, pode ser
encontrado várias estilos literários. Coutinho (2004, p?) considera Pompéia um
escritor impermeável a classificações literárias: “Parnasiano? Realista?
Naturalista? Psicologista? Impressionista? As diferentes classificações que lhe
tem sido atribuídas são um índice de complexidade de sua arte máxima”. O que
podemos perceber é que o autor transitava entre os vários estilos literários,
embora a sua obra carregue traços marcantes do Naturalismo e Realismo. Segundo
Bosi (1994, p.183), não se pode definir o Ateneu como uma obra realista, pois
há outros traços que marcam o romance, como poderemos observar mais adiante. Em
suma, o estilo de Raul Pompéia foge de toda e qualquer padronização literária,
o que impede de classificá-lo numa categoria fixa.
Realismo
Segundo Coutinho (2004,
p.12),
o
Realismo é a tendência literária que procura representar, acima de tudo, a verdade,
isto é, a vida tal como ela é, utilizando-se, para isso, da técnica da
documentação e da observação contrariamente à invenção romântica. Interessado
na análise de caracteres, encara o homem e o mundo objetivamente, para
interpretar a vida. Utilizando-se das impressões sensíveis, procura retratar a
realidade graças ao uso de detalhes específicos, o que faz que a narrativa seja
longa e lenta e dê a impressão nítida e fidelidade dos fatos. A estética
realista procura atingir a beleza sob os disfarces do comum e do familiar, no
ambiente local e na cena contemporânea.
Em O Ateneu, o Realismo
está presente na crítica social e explícita ao sistema educacional e o retrato
fiel aos valores da época. É nessas críticas que se percebe um pessimismo
cético na visão da realidade, tornando a narrativa lenta, dessecante e profunda.
No internato, tudo é visto negativamente, Sérgio vê a escola como um antro de
perdição, envolvida de hipocrisias, injustiças falsidades e amizades perigosas.
Esta relação entre a escola e sociedade é observada no capítulo XI: “Não é a escola que faz a
sociedade, a sociedade a reflete”.
Raul Pompéia era
republicano. Seus ideais políticos podem ser percebidos na obra, produto de sua
insatisfação ao Segundo Império. Esse ideal republicano é percebido logo no
primeiro capítulo, representado por Jorge, filho de Aristarco: “Seu filho
Jorge, na distribuição dos prêmios, recusara-se a beijar a mão da princesa,
como fazia todos ao receber a medalha. Era republicano o pirralho!”
Naturalismo
Os elementos
naturalistas estão notavelmente presentes na obra. É a vida apresentada por
meio da observação, captada por Sérgio e narrada, ora como confissão, ora como
apresentação de um ambiente imperfeito e pervertido. Para Coutinho (2004, p.
13)
o
naturalismo acentua as qualidades do Realismo, acrescentando uma concepção da
vida que vê como o intercurso de forças mecânicas sobre os indivíduos,
resultando atos, o caráter e o destino destes da atuação da hereditariedade e
do ambiente. O espírito da objetividade e imparcialidade científicas faz com
que o naturalista introduza na literatura todos os assuntos e atividades do
homem, inclusive os aspectos bestiais e repulsivos da vida, dando preferência
às camadas mais baixas da sociedade. (...) o Naturalismo procura representar
toda a natureza, a vida que está próxima da natureza, o homem natural.
Na
obra, o instinto natural do homem, o determinismo e a influência do meio entoa
a realidade patológica do indivíduo, as situações de desequilíbrio em que o homem
se comporta como um animal, entregue aos instintos, condicionado, subjugado,
fatores que determinam o seu comportamento. E é nesse aspecto animalesco que,
muitas vezes, as personagens são descritas: João Numa é comparado a um porco,
Nearco parece um avestruz e Ângela tem a submissão de cadela. A
homossexualidade também é abordada na obra pelo viés naturalista, mas falarei
desse assunto posteriormente.
Outros
elementos do Naturalismo podem ser percebidos nas personagens. Franco é o bode
expiatório, o alvo sobre o qual é imputada toda a violência do internato, desde
as humilhações dos colegas até as lições disciplinares de Aristarco, quando o
usava como contra-exemplo, conforme observa Balieiro (2009, p.42):
À nota do Franco, sempre má, devia
seguir-se especial comentário deprimente, que a opinião esperava e ouvia com
delícia, fartando-se de desprezar. Nenhum de nós como ele! E o zelo do mestre
cada dia retemperava o velho anátema. Não convinha expulsar. Uma coisa destas
aproveita-se como um bibelô do ensino intuitivo, explora-se como a miséria do
ilota, para a lição fecunda do asco. A própria indiferença repugnante da vítima
e útil. (Cap.II)
Para
Bosi (1994, 186) há no internato uma teia de interesses presa ao prestígio da
riqueza, que contorna as diferenças individuais, e nas relações entre as
personagens. Conforme o autor, após destruída a fachada que a cerimônia inicial
levantara, Sérgio “percebe espantado uma divisão entre fortes e fracos, que a
crise pubertária vai colorir de matizes sexuais. As lideranças, já coadas pelo
poder da riqueza, se farão por critérios musculares ou etários: os mais rijos,
os mais velhos e calejados tem condições de dominar os novatos.” A esta análise
podemos acrescentar a observação de Sérgio em sua narração, no capítulo III:
“Tudo ameaça os indefesos”.
Outro
exemplo é o crime passional que envolveu dois amantes de Ângela, que
intencionalmente, estimulava-os declarando a um e outro a sua preferência.
Impressionismo
Quintale
Neto (2007, p. 43) menciona Heredia (1979) que diz que o impressionismo no
romance pode ser visto “nas técnicas de apresentação dos acontecimentos e
personagens, na estrutura orbital e não linear da narrativa que segue um tempo
psicológico e não cronológico, no relevo que as cores tem ali acompanhado as
sensações visuais exploradas pelo escritor”. Quintale Neto destaca a grande
importância que o impressionismo deu ao uso da luz e da sombra que, segundo o
autor, realça “a impressão que o ambiente causa, e não o contorno e a
perspectiva do objeto representado.” Coutinho (1996, p. 325), diz que o mais
importante no Impressionismo “é o instantâneo e o único, tal como aparece ao
olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele
desperta, num dado instante, no espírito do observador, que por ele é
caprichosa e vagamente.” Em O Ateneu, Pompéia tem uma linguagem em que as
palavras manifestam elementos dentro dessa perspectiva. Como o narrador é o
protagonista, a construção da narrativa se dá impregnada de impressões, cuja
explicação está no caráter memorialista que projeta lembranças e sensações a
que o narrador recorre para apresentar os fatos.
Para
exemplificar o impressionismo na obra, Quintale Neto faz referência a Mölk,
quando este cita a cena de um passeio que os alunos fazem pela mata. Segundo
Mölk, “vê-se a descrição do narrador como quem pinta um quadro impressionista,
sempre em busca da expressão mais precisa”:
Passeio noturno de alegria sem nome. As
árvores beiravam a estrada de muros num e noutro ponto rendada de frestas para
o céu límpido. No caminho, trevas de túnel e a agitação confusa das roupas,
malhada a esmos de placas de luar brando – réptil imenso de cinza e leite em
vagarosa subida. Que sonho de cócegas experimentaria o colosso, na dormência de
pedra que o prostrava ainda, espezinhado pela invasão! Subíamos. Pelas abertas
do arvoredo devassávamos abismos; ao fundo a iluminação pública por enfiadas,
como rosários de ouro sobre o veludo negro. (Cap. VIII)
Para
Mölk, nada nesse trecho é visível ou claramente perceptível, que favorece a
subjetividade. Podemos perceber a construção sombria da imagem, característica
marcante do impressionismo. O autor observa como o narrador descreve a
impressão que o ambiente causa. Quintale Neto (2007, p. 47) ressalta que há
constantemente o uso da palavra impressão
ou impressões ao longo da narrativa. Logo nos
primeiros contatos de Sérgio com o Ateneu, como podemos ver no capítulo I: “É
fácil conceber a atração que me chamava para aquele mundo tão altamente
interessante no conceito de minhas impressões”. O autor nota ainda o uso do
pronome possessivo minhas, que
enfatiza o caráter subjetivo da representação.
Expressionismo
Segundo
Castro (2010, p. 14), o expressionismo está presente na obra na forma como o
mundo da escola é visto é retratado a partir da perspectiva particular de
Sérgio, que expressa seus sentimentos e os sentimentos dos outros a partir do
seu ponto de vista. Bosi (1994, p.183) também dá exemplos de traços
expressionistas, “como o gosto do mórbido e do grotesco com que deforma sem
piedade o mundo do adolescente”. O autor destaca o expressionismo na captação
dos ambientes e das pessoas por meio da imagem:
·
“As
mangueiras, como intermináveis serpentes, insinuavam-se pelo chão...” (cap.
XII);
·
“As
crianças (...) seguindo em grupos atropelados, como carneiros para a matança.”
(cap. VIII);
·
“Permitia,
quando muito, que Rômulo a seguisse cabisbaixo e mudo, como um hipopótamo
domesticado.” (cap. VII)
·
“Ele
gozava como um cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.” (cap.
I)
Coutinho
observa que estas aproximações, em geral, são violentas e, no caso das pessoas,
adquire um tom depressivo. Para ele, “a norma é o caricato, revelando o quanto
de traumático deve ter marcado as experiências que lhes ficavam subjacentes.”
Os companheiros de classe eram cerca de
vinte; uma variedade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de
costas, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de
símio – palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicanca,
alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma
foice; o Álvares, moreno, cenho carregado, cabeleira espessa e intensa de vate
de taverna, violento e estúpido, que Mânlio atormentava, designando para o
mister das plataformas de bonde, com a chapa numerada dos recebedores, mais
leve de carregar que as responsabilidade dos estudos; o Almeidinha, claro,
translúcido, rosto de menina, faces de um rosa doentio, que se levantava para
ir à pedra com um vagar lânguido de convalescente; o Maurílio, nervoso,
insofrido (...) (Cap. II)
Essa
descrição também se dá sobre Aristarco de forma caricatural e grotesca. Após a
descoberta da falsidade na linguagem do diretor do internato, Sérgio o tinha
como a perversidade do sistema, que egocêntrico, autoritário e dotado e uma
impressionante linguagem retórica, dirigia a escola como se fosse uma casa de
comércio.
Foco
Narrativo - Enredo
A obra é narrada em
primeira pessoa. Seu narrador, Sérgio menino, relata suas memórias de infância
vividas no internato. Vale observar que o romance inicia com o
narrador-protagonista penetrando no Ateneu, mundo que ele mesmo vai descrever.
Fechada as portas, o narrador expõe as mazelas desse mundo de modo profundo e
dissecante.
Outro destaque do foco
narrativo é que Sérgio é considerado um outro “eu” de Raul Pompéia. O narrador
recebe a personalidade e as memórias do autor, que também estudou num
internato, o que explica o subtítulo “Crônica de saudades”. Para Castro (2010, p. 16), a obra não é uma
simples autobiografia e nem uma obra de ficção e sim, uma mistura das duas.
Quintale Neto (2007, p.
36) cita Camil Capaz (2001), que vê caráter biográfico inquestionável o modo
opressivo que cerca Sérgio, narrador que Pompéia escolheu para falar em seu
nome. Quintale Neto destaca que uma longa nota anônima publicada na Gazeta de Notícias, provavelmente
escrita ou pelo menos autorizada pelo autor de O Ateneu, esclarece que “o
cronista faz a crítica do que viu e sentiu, do que lhe ensinara e de como lhe
ensinaram”. Então, pode se concluir que em O Ateneu há uma mistura das
experiências vividas por Pompéia retratadas pelo personagem Sérgio.
Tendo como afirmação de
que o romance foi escrito por meio da memória e introspecção, o colégio O
Ateneu assume o lugar do colégio Abílio em que Pompéia estudou. Através da
narração de Sérgio, o autor deixa evidente a crítica amarga pelo modo como o
ambiente e as personagens se constituem.
Coutinho (1996, p. 179)
chama a atenção para o lado psicólogo de Pompéia em várias passagens de O
Ateneu, que evidencia a versatilidade artística do autor, que aponta para o
rancor e a sátira, dirigido para quase todos os lados e principalmente contra
Aristarco.
Mas
aí está a arte de Pompéia, em suas características principais: a frase
pinturesca e vivaz, as imagens ou expressões e adjetivos imprevistos, o senso
plástico do desenho caricatural provocado pela mordacidade irônica.
O
perfil de Aristarco procede enfim de uma ótica espiritual caprichosa,
excêntrica e maligna, cuja incidência em vários tipos e cenas transmite à
narrativa o mais estranho frêmito
Para Coutinho, o modo
como o elemento autobiográfico sobressai e a atitude insofrida e agressiva que
predomina no romance, a que o autor denomina de “gesticulante”, é “um traço de
identidade do processo estético do romancista com o dos naturalistas da linha
divergente de Zola, os irmãos europeus Edmond e Jules de Goncourt”. Para ele, a
escrita artística de Pompéia tem a influência e carrega traços da “prosa
artística” dos irmãos Goncourt.
O autor também dá
destaque para o contexto jornalístico do romance. O Ateneu teria sido escrito
dia a dia para publicação no jornal, durante três meses. No artigo de Morato,
“O reflexo do cotidiano nas crônicas de Raul Pompéia – um olhar sobre a Crônica
Jornalística-Literária”, a autora diz que as publicações tinham um engajamento
social, tendo em vista que a maior parte de seus trabalhos eram publicados nos
jornais em que trabalhou. Para ela, “se buscarmos compreender as obras de Raul
Pompéia, seremos capazes de identificar nelas a visão de mundo do autor, que o
orienta ao uso da linguagem e a malha dos conflitos que animaram e afligiram a
sociedade brasileira no final do século XIX”. (p. 31)
Balieiro (2009, p. 10),
analisa o enredo nas perspectivas de Mário de Andrade e Alfredo Bosi:
Em
artigo de Mário de Andrade (1974), sublinha-se o conteúdo autobiográfico do
livro, interpretando o romance como uma obra de vingança contra o ambiente
educacional marcada por uma certa pedagogia vivenciada pelo próprio Pompéia. Na
perspectiva de Andrade, o enredo se fixa na escola em caminho bem diverso da
literatura contemporânea naturalista e realista marcada por amplas sínteses
sociais. A análise de Alfredo Bosi (1988) aponta outro caminho de interpretação
possível: ressalta a opacidade do ambiente que caracterizava a vivência de
Sérgio na qual cada momento narrado
esconde um risco iminente ou recorrente (palavras do autor)”.
Balieiro também cita
Araripe Júnior (1978), que compreende o romance num tom darwinista, em que
Sérgio procura resistir ao meio, da perversão sexual do internato, por ele
narrado numa trama que, segundo Rodrigues (1979, p. 167) é a “explosão
libidinosa da adolescência desinformada”. Para Rodrigues, nem é isto que choca
em O Ateneu e sim, “o desvelar da trama em que o ser humano ser perde justamente
na hora que procura encontrar-se” o qual chama de “movimento de deformação, a dialética mortal em que
toda a pulsação estética do homem (estética num sentido bem amplo, que envolve
a raiz das relações entre homem e mundo) se vai constituindo em castração
cultural. É como se o narrador fizesse a seu modo um regresso psicanalítico às fontes primeiras de
suas cicatrizes”.
Para Balieiro, outro
destaque do romance é “pedagogização do
sexo” ou seja, a atenção que se tinha sobre a sexualidade e pelo suposto perigo
que oferecia, quando era tida fora das normas da coletividade, em que as
práticas homossexuais compreendidas como o resultado de um desejo, gerado pela
força natural e ia contra as regras sociais. Segundo o autor, este “dispositivo
de sexualidade construía corpos masculinos a partir de uma base heteronormativa
que se impunha”. Este enredo rico em situações homoafetivas, mais tarde trouxe
problemas para Pompeia.
No enredo, Balieiro
acentua o teor darwinista-social em O Ateneu. O Gazeta de Notícias
interrompeu a publicação do romance em 14 de maio de 1988, auge da
abolição da escravatura, que tomava as páginas do jornal. O romance só volta a
ser publicado no dia 18, em que aparece o desfecho onde Américo, supostamente,
incendeia o internato. Segundo o autor, “não é possível afirmar se Pompéia
criou este final antes ou depois da abolição, mas é sugestivo pensar na
influência que pode ter tido a promulgação da Lei Áurea nos caminhos do
romance”. O que se percebe é uma crítica à monarquia associado à figura de
Aristarco e a visão esperançosa de Pompéia pela queda do Império, associado à
destruição do internato por Américo.
Ainda no enredo,
Balieiro (p. 41) chama a atenção no modo como o romance disserta sobre o
darwinismo e linha evolucionista da história da arte nas palestras do Dr.
Cláudio:
“O
esforço da vida humana, desde o vagido do berço até o movimento do enfermo, no
leito da agonia, buscando a posição mais cômoda para morrer, é a seleção
agradável”. (...) “A história do desenvolvimento humano nada mais é do que uma
disciplina longa de sensações. A obra da arte é a manifestação do sentimento”.
(...) Manifesta-se primeiro grosseiramente, por erupções de sentimento e faz o
amor concreto, a interjeição, a eloqüência rudimentar, a poesia primitiva, o
primitivo canto. Manifesta-se mais tarde, progressivamente, por efeitos de
cálculo e meditação e dá o epos, a
eloqüência culta, a música desenvolvida, o desenho, a escultura, a arquitetura,
a pintura, os sistemas religiosos, os sistemas morais, as ambições de síntese,
as metafísicas, até as formas literárias modernas, o romance, a feição atual do
poema e do mundo. (Cap. VI)
Para Balieiro, fica
claro que os discursos do Dr. Cláudio são influenciados pelo determinismo. Mas
essa influência não se restringe somente ao discurso do professor, estão
espalhados no romance na descrição das personagens, e cita Mário de Andrade
(1974) que diz: “Raul Pompéia os desenha com malvadez, grotescos, invejosos,
insensíveis, perversos ou brutais”, onde o meio é se torna um difícil escape:
“O meio, filosofemos, é um ouriço invertido, em vez da explosão divergentes dos
dardos – uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes
cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual da epiderme contra as puas. Em geral,
prefere-se o meato”. (Cap.V)
O autor ainda discorre
sobre outros elementos naturalistas no romance, como “a sensualidade, as
paixões, a fraqueza e as vergonhas materializadas nas relações homoafetivas dos
próprios alunos”, tudo descrito pessimamente por Sérgio durante a narração, ou
inseridos nos discursos do Dr. Cláudio.
Tempo
Por conter traços
biográficos, o tempo é dividido em tempo psicológico e tempo cronológico. O
primeiro é o da memória, que é apresentado pelo narrador através de episódios
marcados por lembranças. O tempo cronológico coincide com a trajetória de
Sérgio no internato, linearmente circunscrito em dois anos, desde a entrada de
Sérgio até o incêndio que o destrói.
Espaço
A narrativa se
desenvolveu no Rio de Janeiro, final do século XIX. O colégio representa um espaço reduzido da
cidade que contribui para a compreensão do contexto histórico. As ações ocorrem
no internato “O Ateneu, quarenta janelas, resplandecentes do gás interior,
dava-se ares de encantamento com a
iluminação de fora (...)” (cap. I).
Linguagem
Em O Ateneu, podemos
perceber que a narração se dá através de uma linguagem impressionista e
expressionista, predominando a sensação visual, olfativa e auditiva, através de
elementos ricos de imagens, sonoros e coloridos. Segundo Morato (2010, p.16)
Raul Pompéia seguia o estilo da época, marcada pela correção e padrões
gramaticais rígidos. Trata-se de “uma linguagem distante do leitor moderno, usa
com freqüência construções clássicas, figuras mitológicas, tendência para o uso
excessivo de adjetivos que quase sempre acompanha o substantivo. Um exemplo
dessa construção clássica está no uso do pronome átono antes da palavra
referencial: “disse que me não interessava as intrigas” (Cap. X). Vejamos um
exemplo de figuras mitológicas: “Era mais que uma revelação temerosa do Olimpo;
era como se Júpiter mandasse Mercúrio catar à terra os raios já disparados e os
unisse inavaliável dos arsenais do Etna (...)” (Cap. IV)
A tendência para a
adjetivação, como já citado, é outro aspecto notório da linguagem no romance:
“Erigia-se na escuridão da noite, como uma imensa muralha de coral flamante,
como um cenário animado de safira, com horripilações errantes de sombra, como
um castelo fantasma batido de luar verde emprestado a selva intensa dos
romances cavalheirescos (...)” (Cap. I). Outro exemplo é o modo como o narrador
referiu-se à Aristarco, ao assistir à destruição do Ateneu: “Ele, como um deus
caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra” (Cap. XII).
Morato observa a
tendência para a comparação através da conjunção “como”: “No pátio, o silêncio
dormia ao sol como um lagarto” (Cap. XII); o uso de hipérboles: “Aristarco
arrebentava-se de júbilo” (Cap. I); o emprego de metáforas: “Com o Ateneu
estava satisfeito: uma sementeira razoável, não fazia rogar para florescer”
(Cap. XI).
Além dessas figuras de
estilos, podemos encontrar também a personificação: “o Sol vinha também à
capela e colava de fora a fronte às vidraças (...)” (Cap. IV); Metonímia:
“Acima de Aristarco – Deus! Deus tão somente; abaixo de Deus – Aristarco.”
(Cap. I); e eufemismo: “Aqui suspendo a crônica das saudades” (Cap. XII)
Coutinho (2004, p. 177)
fala sobre a ênfase que Pompéia dá às cores em sua linguagem: “Realmente, a cor
era quase tudo para Pompéia, e no fazê-la prevalecer no seu estilo, agiu como
mais viva sinceridade consigo próprio”. Podemos perceber esse nesse cromatismo
do autor um apego a cor luminosa e viva e a adesão à claridade que o classifica
no estilo impressionista: “(...) há sons brilhantes como a luz vermelha, que se
harmonizam no sentimento com a mais vívida animação” (Cap. VI); “(...) ao fundo
daquelas altíssimas paredes do Ateneu, claras da caiação do tédio, claras, cada
vez mais claras” (Cap. VII).
O
Ateneu como um microcosmo
No romance, o Ateneu é
apresentado como um retrato da sociedade, a narrativa constitui o internato
como um organismo vivo, em que mundo que se revela por dentro é refletido pela sociedade através das máscaras
e falsas aparências que corroboram com a corrupção, a hipocrisia, a exploração
do homem e outras degenerações sociais.
Julio Valle (2010), eu
seu artigo intitulado “Os muitos mundos de O Ateneu”, fala sobre essa relação,
que representa de forma literária um presumível mundo real. Segundo o autor, a
vivência se inicia no mundo infantil, que é englobado por outro maior, o
mundo-internato (microcosmo), que será absorvido pelo maior conjunto, o
mundo-verbo (Ciência e Arte). Julio Valle (2010, p.2) diz que
todo
o romance pode ser compreendido como uma extensão de sua frase inicial: “Vais
encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta” O
parágrafo seguinte só viria a confirmar este programa: “Bastante, experimentei
depois a verdade desse aviso (...)”. Ou seja, o que se seguirá, parece, é mesmo
a narrativa desse encontro inaugural com a face extracurricular da vida. Neste
processo, o mundo infantil será englobado por outro, menos artificial – já que
para dizer com Dr. Cláudio, bastante fiel ao “grande mundo lá fora”: o
microcosmo do Ateneu.
Este
mundo em miniatura funcionará como perfeita reprodução do seu modelo. Será uma
cópia da “vida em sociedade” para falar novamente com Dr. Cláudio, e por isto
equivalerá, para aqueles meninos, a um primeiro choque com os parâmetros
adultos. Em sendo assim, pode-se concluir que este segundo estágio abre-lhes a
sensibilidade para um mundo mais verdadeiro, donde o sentido de “descoberta”
que parece ter, na verdade, o “encontro” pelo pai do protagonista logo no
início do livro.
Para o autor, este
microcosmo se constitui como um presumível e fiel espelho do mundo, que se
mostra real na medida em que se dissipam os disfarces. Sérgio reproduz na sua
narrativa esse processo, em que o mundo figurado acessa o sentido real das
coisas e se constitui como mundo real. Essa descoberta, à princípio, é
dolorosa, como podemos perceber pela vivência de Sérgio no internato, mas a
partir do momento que a personagem assume as rédeas da situação, suas
experiências passam a ser mais conscientes. Para Julio Valle “o microcosmo, por
mais artificial que seja, nunca se desveste, na obra de sua alegada autoridade
reflexiva do grande mundo lá fora”.
A
homossexualidade em O Ateneu
Balieiro ( 2009, p.18)
faz uma leitura sociológica de O Ateneu e busca “reconstituir aspectos
importantes de uma nova ordem sexual heteronormativa que se impunha no Brasil
do final do século XIX através da imbricação entre categorias sexualidade ,
gênero, classe e raça. Pompéia é citado por vários autores por causa desse
assunto tão polêmico até nos dias atuais. Balieiro diz que seus contemporâneo
tinha na personalidade doentia de Pompéia um homem nervoso, radical e estranho.
Conforme notação do autor, em 8 de outubro de 1890, o Estado de São Paulo noticia
de forma enfática a futura participação do cronista como o “esquisito novelista
do Ateneu”.
Segundo Balieiro,
durante o século XX, biógrafos e críticos teciam a sua imagem sempre
relacionada a termos patológicos. Mario de Andrade retoma uma questão discutida
anteriormente sobre o fato de Pompéia não ter travado nenhuma relação íntima,
bem como não conseguir narrar nenhuma forma de amizade verdadeira sem recair na
imoralidade e supõe que o autor algum problema sério, uma tara, um segredo. Em
outras biografias mais antigas, como a de Rodrigo Octávio (1978) até a mais recende de Camil Capaz (2001),
Raul
Pompéia aparece como uma criatura estranha; desde as suas características
físicas como portador de estrabismo exagerado, passando pelo comportamento sui generis de um recatamento exaustivo
– não tenho relacionado amorosamente com nenhuma mulher – até seu nervosismo
extremo, sua sensibilidade aguçada que muitas vezes consiste na explicação de
seu radicalismo político, seu nacionalismo exaltado e seu florianismo convicto.
(p.20)
Alguns autores
relacionam o suicídio de Pompéia a esse comportamento. Para Balieiro, havia uma
concepção de masculinidade imposta no Brasil no período em que O Ateneu foi
escrito. Por questões políticas, Pompéia se desentende com Olavo Bilac e Luis
Murat, que passam a criticá-lo e a ofendê-lo em seus artigos, que se defende. As
discussões giram em torno da honra. Um
duelo é marcado entre Pompéia e Olavo Bilac e no dia previsto, ambos são
orientados a não realizarem o embate, que foi acordado com um aperto de mãos. A
polêmica volta à tona e as ofensas continuam, construídas de forma a entender
que Pompéia fosse um homem moralmente doente. Mesmo defendendo-se, Pompéia é
demitido do cargo de diretor da Biblioteca Nacional e é insultado por Olavo
Bilac ao noticiar o fato na Imprensa. Pompéia passa a ser ignorado na imprensa,
inclusive no jornal com o qual colaborava. Balieiro destaca: “O cronista e
escritor, sentindo- se rejeitado pelas gazetas e humilhado publicamente,
mata-se para proteger sua honra. Deixa apenas um bilhete: “À notícia e ao
Brasil declaro que sou um homem de honra” (p.109). Balieiro ressalta que, pelas
suas obras, Pompéia só recebeu duras críticas em O Ateneu. Os outros trabalhos
são bastante elogiados
A obra O Ateneu traz
uma narrativa densa sobre a homossexualidade. Logo no início na narração, é
descrita a perversão, a corrupção e a imoralidade presente no internato. As
relações homoafetivas são tidas pelo diretor do internato como um desvio de
comportamento merecedor de punição, como a que realiza ao descobrir o caso
amoroso entre Cândido e Emílio. “Tenho a alma triste. Senhores! A imoralidade
entrou nesta casa!” (Cap. VII) Aristarco tinha reunido todos para expor o caso
e humilhar os envolvidos publicamente, inclusive os cúmplices. E continua com o
seu sermão: “Há mulheres no Ateneu, meus senhores!”, ao referir-se à Cândido,
que tinha assinado uma carta como Cândida.
Às vezes, a
homossexualidade é posta na narrativa de Sérgio de modo subjetivado, tanto pare
ele quanto para os meninos. Logo no início da narrativa, Sérgio recebe os
conselhos de Rebelo sobre o internato:
Isto
é uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. Não sou idiota; vivo
só e vejo de longe; mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios aqui fazem dois
sexos, como se fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem
sangue, são brandamente impelidos para o sexo da franqueza; são dominados,
festejados, pervertidos como as meninas ao desamparo. Quando, em segredo dos
pais, pensam que o colégio é o melhor das vidas, com o acolhimento dos mais
velhos, entre brejeiro e afetuoso, estão perdidos... Faça-se homem, meu amigo!
Comece por não admitir protetores”. (Cap. II)
Esse trecho torna claro
como as relações entre os meninos se constituíam. Rodrigues (1979, p.169) expõe
o que ele considera de “gestação do homossexualismo adolescente, “revivido”
pela memória do narrador” ao abordar a amizade entre Sérgio e Bento Alves:
“As pétalas começaram a
aparecer mais frescas e mais vezes; vieram as flores completas. Um dia abrindo
pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um
ramalhete. Santa Rosália de minha parte nunca tivera assim. Que devia fazer uma
namorada? Acariciei as flores, muito agradecido, e escondi-as antes que alguém
vissem”. (Cap. VI)
Rodrigues nota que após
a briga entre Bento Alves e Malheiro, cujo motivo envolvia a Sérgio, este se
sensibilizou intimamente, ao saber que seu amigo estava preso:
“Por
minha parte, entreguei-me de coração ao desespero das damas romanceiras,
montando guarda de suspiros à janela gradeada de um cárcere onde se deixava
deter o gentil cavalheiro, para o fim único de propor assunto às trovas e aos
trocadores medievos”. (Cap. VI)
A reprovação contra a
homossexualidade era nítida no internato, através do controle e da vigilância
de Aristarco: “Ah! Mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes
iludam-me!” (Cap. VII). Então, os envolvimentos que se dava fugiam dos olhares
atentos do diretor e seus funcionários e assim evitavam os mecanismos
disciplinares. É o que Sérgio narra sobre Sanches: “Contudo Sanches, como os
mal-intencionados, fugia dos lugares concorridos. Gostava de vaguear comigo, à
noite antes da ceia, cruzando cem vezes o pátio de pouca luz, cingindo-me
nervosamente, estreitamente até levantar-me do chão”. (Cap. III)
No Artigo de Balieiro e
Richard Miskolci (ano indefinido, p. 10), intitulado “O drama público de
Pompéia: sexualidade e política no Brasil finissecular”, “a vigilância escolar
revela-se meio importante para a consolidação da heteronormatividade”. Para os
autores, embora a homossexualidade não tivesse como ser (e nem poderia)
eliminada, era “relegada às sombras e ao segredo constituindo os limites
negativos da desejada heterossexualidade”. Nos moldes dessa concepção, a
heterossexualidade carregava fortes traços da masculinidade e da virilidade,
que não se constituíam apenas pelo fato do homem se relacionar com mulheres,
mas também através de relações de poder.
Considerações
Finais
O Romance O Ateneu é
uma obra que carrega traços biográficos e compõe-se de um fluxo incessante de
sentimentos e sensações, um relato de um narrador sobre a sua própria vivência
e que através do personagem Sérgio, traduz as ações e reações e reconstitui o
seu passado, que chama de “Crônicas das Saudades”.
No romance, podemos
encontrar uma variedade de significações, sejam nos estilos literários e no
contexto sócio-cultural da época, seja na sua representatividade que tem para
os leitores do mundo contemporâneo. Raul Pompéia expõe as suas impressões, seu
modo peculiar de se comunicar através
das palavras, e revela o lado obscuro da sociedade. Traz críticas à sociedade,
destituída de valores, e coloca o internato, o microcosmo, como um espelho do
mundo real, em que as experiências e os elementos presentes, seja na figura de
Aristarco ou nos desfechos das ações, serviam de base para o autor expressar
seus ideais.
Considerada a sua
obra-prima pela relevância do ponto de vista literário, O Ateneu é objeto de estudo de diversos autores, que o consideram uma das obras mais
interessantes da literatura, tendo em vista a sua dimensão estética e realista.
Bibliografia:
BENELLI, Silvio José. O Internato Escolar “O Ateneu”: produção de subjetividade na instituição total. São Paulo: UNESP, 2003
BOSI, Alfredo. "Raul Pompeia",in História Concisa da Literatura Brasileira. 41ºed. São Paulo. Cultrix,1994,p.183-187
CASTRO,
Elisabeth Batista de. O Ateneu de Raul
Pompéia: uma análise psicanalítica de suas personagens. Juiz de Fora:
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2010.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil – 7. Ed. rev. e atual. São Paulo: Global,
2004
JULIO VALLE. Os muitos mundos de O Ateneu. RevLet – Revista Virtual de Letras:
vol.2, no1. Unicamp, 2010
MORATO, Miriam Cristina Fernandes Bailo.
O reflexo do cotidiano nas Crônicas de
Raul Pompeia – Um olhar sobre a Crônica Jornalística-Literária. São Paulo:
USP, 2010
POMPEIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000
QUINTALE NETO, Flávio. Idéias estéticas e filosóficas nos romances
O Ateneu, de Raul Pompeia, e Die
Verwirrungen des Zöglings Törless, de Robert Musil. São Paulo,
Konstanz: 2007
RODRIGUES, A Medina (et alli) Antologia da Literatura Brasileira: textos
comentados
do
classicismo ao pré-modernismo. São Paulo: Marco Editorial, 1979.
MISKOLCI, Richard e BALIEIRO, Fernando
de Figueiredo. O Drama público de Raul
Pompéia. Sexualidade e política no Brasil finissecular. Local (?) Editora
(?) Ano (?)
simplesmente explêndido!!!!!
ResponderExcluirO melhor que eu vi!
ResponderExcluirimpecável!!!
ResponderExcluirÓtimo trabalho, mas a obra é uma droga.
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