domingo, 25 de novembro de 2018

Artigo Acadêmico: Indisciplina Escolar: Desafio aos professores no processo de ensino e aprendizagem


INDISCIPLINA ESCOLAR: DESAFIO AOS PROFESSORES NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Leonilto Manoel da Cruz
Licenciado em Letras/Inglês, UFRR, especialista em Administração Escolar, Supervisão e Orientação, UNIASSELVI



RESUMO: O presente artigo tem como objetivo promover uma reflexão sobre a indisciplina escolar à luz de diferentes olhares, com a intenção de mostrar, a partir dos pressupostos teóricos, as diversas causas deste fenômeno vivenciado nas escolas. O trabalho apresenta-se em quatro partes: a primeira traz uma abordagem sobre o conceito de disciplina e indisciplina; em seguida, é feita uma análise sobre as causas e sujeitos da indisciplina. Na terceira parte, aborda-se a função social da escola e aponta caminhos para prevenir a indisciplina por meio de uma diretriz disciplinar construída coletivamente. Concluindo, são apresentadas algumas considerações sobre a práxis educativa por meio de uma postura reflexiva e transformadora da realidade.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Indisciplina escolar, Reflexão,

1 INTRODUÇÃO
A indisciplina escolar não é um problema atual e configura-se como um desafio aos professores por ser intensamente vivenciada no ambiente escolar. Por isso, faz-se necessário analisar os diversos fatores que contribuem para a complexidade das causas que faz da indisciplina um problema que parece resistir a fórmulas, projetos e punições. É preciso entender como se dá as relações sociais e institucionais, o que faz pensar que a indisciplina é um fenômeno inerente aos alunos, qual a postura do professor e sua visão sobre essa questão que o incomoda, o papel da família, da comunidade escolar e do próprio aluno.
Para Gotzens (2003, 26), há uma tendência em acreditar que cabe à escola o resolver o problema da indisciplina. Para a autora, pensar que qualquer problema de comportamento do aluno deve ser resolvido pela escola é desconsiderar os microcosmos em que os alunos vivem e que contribuem de forma significativa em suas vidas, como a família, os vizinhos, os amigos, etc. Assim,
pretender que a escola seja responsável por tudo quanto afeta o aluno parece-nos superdimensionar suas possibilidades de atuação reais; com isso, torna-se ineficaz e contribui para despreocupar outros setores da sociedade que, pelo menos, são tão responsáveis pela educação e desenvolvimento do sujeito quanto pode ser a própria escola. (GOTZENS, 2003, 26)
A indisciplina escolar é um tema constante nos debates que fazem parte do cotidiano na escola, pois ela reflete diretamente no processo de ensino e aprendizagem. O corpo administrativo (gestão, coordenação e orientação), professores, pais e alunos devem envolver-se na busca de soluções para uma escola mais pacífica, pautada na construção de valores e atitudes que vá ao encontro do ensino e aprendizagem. De fato, a instituição escolar é uma organização constituída por vários elementos, os quais cada um tem uma importante contribuição, sendo estes a família, os professores, a gestão escolar, os alunos, a sociedade do ponto de vista comunitário. Discutir indisciplina escolar sem refletir como cada um desses elementos se entrelaça na questão é olhar sobre o problema de modo fragmentado, levando o resultado final a uma resposta mais vaga e menos consistente.
Entender o que é indisciplina não é o suficiente para preveni-la. Combatê-la com medidas imediatistas é uma receita que não tem dado certo. Então como encontrar respostas para garantir que a escola seja um ambiente onde as relações sejam construídas por meio de uma interação dialógica, mais democrática e menos autoritária? A pretensão não está focada apenas na compreensão das causas da indisciplina, mas também apontar caminhos, como a construção de um projeto político pedagógico com uma diretriz disciplinar elaborada com a participação de todos, de modo a desenvolver um sentimento de pertença e colaboração para um ambiente de respeito e transformação.

Desse modo, o presente artigo busca contribuir com uma compreensão mais aprofundada no campo teórico, bem como trazer à tona a importância da participação de todos que fazem parte da escola na construção de caminhos pautados na práxis coletiva. Este trabalho é composto a partir de uma construção teórica, cuja metodologia é a pesquisa bibliográfica manual e eletrônica.  Portanto, trata-se de um estudo sistematizado e analítico, desenvolvido com bases em material publicado em livros, artigos e teses. Neste artigo, a pesquisa bibliográfica constitui todo o embasamento teórico por onde permeia a abordagem sobre a indisciplina escolar, fornecendo os elementos necessários para estabelecer o diálogo entre os autores e as considerações sobre o tema.

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 DISCIPLINA E INDISCIPLINA: A COMPLEXIDADE DE SUA DEFINIÇÃO.
          Segundo o dicionário eletrônico Aurélio, disciplina é: “Regime de ordem imposta ou livremente consentida; ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.); relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor; observância de preceitos ou normas; submissão a um regulamento”.

            Toda escola tem suas normas, que é composta por um conjunto de regras que regula o comportamento dos alunos. A finalidade é garantir a ordem necessária entre os participantes da escola, de modo a facilitar o seu funcionamento e solucionar possíveis problemas.

            Gotzens (2003, pag.14) chama a atenção sobre a dificuldade do professor em lidar com os problemas da disciplina, cuja explicação está na falta de uma formação adequada e na familiaridade com o tema. O professor, por entender a importância do valor funcional e socializador da disciplina, elabora, de maneira particular, suas próprias estratégias para prevenir e solucionar. Para a autora, isso constitui um risco e piora a situação.

A autora considera que, antes de lidar com o problema, é necessário conhecer os princípios que regulam o comportamento humano no aspecto educativo segundo as suas funções, que são a de prevenção e reparação. Para ela, há três tipos de conhecimentos que o professor deve compreender: a) o conhecimento científico e técnico – que trata da definição da disciplina, suas características e funções, bem como os procedimentos para a sua aplicação; b) o conhecimento de tipo legal-administrativo – que trata da competência das autoridades educativas no âmbito legal; e c) o conhecimento contextualizado – que trata da compreensão do universo relacionado às especificidades dos alunos, como sua idade, a maturidade, as características sociofamiliares, bem como as características escolares, a prática docente, a interação entre professor e aluno, entre outras, que irão nortear o professor na tomada de decisões.

Gotzens observa que disciplina escolar:
não é senão um sistema que regula o comportamento dos alunos mediante o estabelecimento de mecanismos os quais tornam possíveis a ordem no ensino, mediante a correção sugerida ou diretamente exercida das atitudes consideradas perturbadoras para essa ordem. (GOTZENS, 2003, pág. 20)

            Desse modo, a disciplina do ponto de vista funcional e instrumental, está ligada a capacidade de ter controle, de ajustar a conduta e promover a convivência. Para Santos e Nunes (2006, pag. 14), a escola tem uma importante função, que é a de realizar um trabalho sistemático e planejado com o conhecimento, valores, atitudes e hábitos. Não é um processo linear e mecânico, pelo contrário, é um processo complexo e sutil, marcado por um processo contínuo e permanente de formação do indivíduo. Esse processo só terá êxito se disciplina fazer parte de seu escopo, considerando que ela estabelece a ordem e a harmonia entre os participantes do cenário escolar.

Na contramão desta concepção está a indisciplina. Segundo o dicionário eletrônico Aurélio, indisciplina é: “Procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência; desordem; rebelião”. De acordo com Santos e Nunes (2006, pag. 17), “falar de indisciplina é evidenciar o não cumprimento das regras estabelecidas”. Porém, os autores ressaltam que é importante focar nos fatores que dão origem aos comportamentos entendidos como indisciplinares, evitando dessa forma, restringir à dimensão comportamental do aluno.

Garcia entende que o conceito da indisciplina é bastante complexo e deve envolver diversos aspectos. Para o autor,
deve-se considerar a indisciplina sob a dimensão dos processos de socialização e relacionamentos que os alunos exercem na escola, na relação com seus pares e com os profissionais da educação, no contexto do espaço escolar - com suas atividades pedagógicas, patrimônio, ambiente, etc. (GARCIA, 1999, pág. 102)

            Sob esta ótica, o autor diz que a indisciplina não apresenta uma causa única e mesmo envolvendo um sujeito único, geralmente tem origem em diversos fatores ou pode refletir uma combinação complexa de fatores. Garcia entende que essa complexidade que envolve a indisciplina, bem como suas diversas causas, deve considerar aquelas externas à escola, e não somente as internas. Entender a influência dos meios de comunicação, a violência social e o ambiente familiar, por exemplo, ajuda na construção de um Projeto Político Pedagógico mais sensível à realidade do aluno, tendo em vista que a disciplina e a indisciplina são produtos sociais.

2.2 A INDISCIPLINA ESCOLAR: CAUSAS E SUJEITOS
            Para encontrar respostas sobre as causas e sujeitos da indisciplina escolar e estar ciente das ferramentas necessárias para a intervenção, é necessário um estudo que leve à compreensão das características deste fenômeno.

            Sabe-se que a indisciplina é um grande entrave no processo de ensino e aprendizagem, prejudica o trabalho do professor, reduz o aproveitamento dos objetivos traçados e interfere diretamente na assimilação dos conteúdos. Todavia, ao analisar os diversos fatores que contribuem para a indisciplina escolar e, sendo coerente com o que atualmente vemos nas escolas atualmente, as respostas podem levar à crença de que as causas e sujeitos da indisciplina não residem somente no aluno.

            Rebelo (2002, pág.12), apresenta como tese inicial a concepção de que a indisciplina escolar está relacionada a prática pedagógica que ela chama de “concepção bancária de educação”. A autora realizou um estudo enquanto coordenadora de uma escola pública, em São Paulo, e constatou que “a concepção bancária, adotada pela quase totalidade dos professores, apontava para um único sujeito responsável pela indisciplina escolar: o aluno”.

            De acordo com a autora, a “concepção bancária”, praticada pela maioria dos professores, é resultado de uma
má-formação, resistência às mudanças, inadequação da prática pedagógica desenvolvida em sala de aula e escolha dos conteúdos presentes num currículo distante da realidade da comunidade com a qual se trabalha. (REBELO, 2002, 15)

            Rebelo diz que Paulo Freire faz crítica bastante para este tipo de educação, pois transmite o conhecimento de forma mecânica ao aluno, onde o educador é o “depositante” e o aluno, o “depositário”. É o tipo de relação que se dá de forma vertical, pautado num ensino centrado no professor, que se considera o detentor do conhecimento no processo de ensino e aprendizagem, esperando dos alunos a submissão e a passividade.

            Por isso,
A educação “bancária” é classificada também como domesticadora, porque leva o aluno à memorização dos conteúdos transmitidos, impedindo o desenvolvimento da criatividade e sua participação ativa no processo educativo, tornando-o submisso perante as ações opressoras de uma sociedade excludente. (REBELO, 2002, 47)

            Não é difícil perceber por que a “educação bancária” é uma das responsáveis pela indisciplina escolar. O professor, que exige a obediência, o silêncio e a estagnação dos alunos, denuncia qualquer postura contrária ao que ele considera ser o correto no que se refere a sua metodologia, a escolha dos conteúdos e as interações entre aluno-aluno e aluno-professor. Nesse sentido, a “educação bancária” segue um currículo fechado e excludente, uma ideologia que aprisiona e controla o aluno. Assim, qualquer ato entendido como indisciplina é de total responsabilidade do aluno.

            Ora, se a indisciplina hoje é uma realidade nas escolas, não seria uma forma de denuncismo do aluno diante desta “educação bancária” imposta a ele? Vivemos em outros tempos, crianças e adolescentes crescem numa cultura em meio a um mundo de informações impregnadas de valores e atitudes, estão mais ativos e autônomos, criam suas identidades como sujeitos de sua própria história, onde a liberdade de expressão é uma de suas conquistas mais importante. Assim, a indisciplina é resultado da resistência dos alunos advindo de uma “educação bancária” que os aprisiona dentro da escola, na contramão da liberdade que se tem fora dela.

            Por isso, Rebelo enxerga na “educação problematizadora” o caminho que propõe a superação dessa indisciplina. Nessa concepção, o aluno não é único responsável pela indisciplina escolar, tendo como composição várias causas e sujeitos:
a resistência dos professores diante de propostas novas; a prática pedagógica domesticadora desenvolvida nas salas de aulas; a má-formação docente inicial e contínua; os pais menos participativos na vida dos filhos; o currículo fechado, despreocupado com a realidade local; a falta de políticas públicas educacionais alinhadas com a realidade das escolas. (REBELO 2002, pág. 12)

            Percebe-se aqui, que a “educação problematizadora” não tem como objetivo apontar quem é o culpado pela indisciplina escolar e sim, de conduzir uma investigação no sentido de intervir, corrigir, melhorar. Isto significa que a indisciplina é uma questão de ponto de vista e tem relação com a concepção de educação do educador.

            De acordo com Rebelo (2002, pág. 48) a “educação bancária” é antidialógica por não permitir uma abertura de diálogo entre o professor e aluno, é opressora por reprovar as manifestações que não estão de acordo com as normas estabelecidas, não oportuniza ao envolvidos a práxis educativa, que é a “reflexão-ação-reflexão”. Já a “educação problematizadora” busca a ruptura do domínio e do ensino centralizado no professor, tendo como princípio o processo dialógico, onde o diálogo ocorre numa relação entre professor e aluno de forma horizontal, numa práxis educativa libertadora.
[...] pois é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não podendo refletir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1998, pág. 70 apud REBELO 2002, pág. 50)

            A autora defende a “educação problematizadora” como caminho para a mudança e transformação, de modo que seja uma prática constante no ambiente escolar como meio de superar a indisciplina. Oportunizar os participantes do espaço escolar, dar voz a eles, valorizando as relações, o pensamento crítico e a construção coletiva por meio da participação e do respeito propicia um espaço democrático e de manifestações de forma consciente, sem imposição e postura antidialógica.
Assim, podemos concluir que a disciplina pode ser controle ou libertação do homem, da mesma forma que a indisciplina pode ser desobediência ou denúncia; tudo depende do nosso ponto de vista ao olharmos o mundo. (REBELO, 2002, pág. 53)

            A indisciplina escolar também tem como causas e sujeitos os fatores externos: Garcia (1999, pág. 104) procura enumerar estas questões as quais denomina de causas externas, que dizem respeito à influência hoje exercida pelos meios de comunicação, a violência social e o ambiente familiar. Isso indica que a indisciplina escolar pode apresentar-se como sintoma de relações conflitantes entre o espaço escolar e outras insituições.

2.3 UM OLHAR SOCIAL SOBRE O ALUNO
            Muito professores se prendem apenas ao ato de ensinar e esquece que o aluno é um ser que apresenta uma diversidade de situações que pode refletir na sua aprendizagem. O professor, que olha para um aluno e percebe quando ele está calado ou isolado, por exemplo, pode entender isto como um fator que compromente o alcance do seu objetivo, sendo então a razão para procurar entender o que está acontecendo. Do mesmo modo, a indisciplina também pode ser compreendida quando o professor sabe encontrar os meios para equacionar o problema, ao invés de ver no aluno um sujeito cuja única solução é fazer relatórios ou colocá-lo para fora da sala.

            Schender (2012, pág. 1) vai mais longe. Ele diz que não há professor sem aluno e que, portanto, “o professor deve-se conscientizar da sua existência, isto é, a ligação íntima entre a docência e discência. O objeto do seu trabalho, ensino, prática, pesquisa, reflexão é o seu aluno”. É o olhar pedagógico, mas também social.

            Paulo Freire (1996, pág. 96) afirma que a relação entre professor e aluno deve ter como característica um sistema horizontal de respeito e intercomunicação. Ele destaca essa relação de respeito que tem de ser criada entre professor e aluno. Desse modo, o professor poderá realizar seu trabalho e realmente fazer uma mudança na aprendizagem e na vida de seus alunos. O autor também fala sobre a afetividade, que, em sua opinião, é o fator fundamental para que se crie uma boa relação entre professor e aluno.

            A afetividade é um dos fatores principais para diminuir ou evitar os casos de indisciplina na escola. Para chegar nesse processo, é necessário que o professor, na sua interação com o aluno, proporcione um clima humano, seja relacional, seja afetivo. E isso está bem longe da “educação bancária”, que leva o aluno apenas a reproduzir determinado conteúdo, sem a existência de tão importante interação. A afetividade propicia um ensino pautado na busca de uma aprendizagem significativa, que é aquela que coloca os interesses do aluno como ponto principal, que abrange o aluno como um todo, em seus aspectos pessoais, cognitivos e emocionais. Desse modo, a aprendizagem significativa cria um clima facilitador, em que o processo de ensino e aprendizagem se apresenta ao aluno por meio da compreensão empática.

            Por isso, Paulo Freire (1996, pág. 96) diz que
... o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma ‘cantiga de ninar’. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.

É importante entender que essa afetividade deve ser dada em certa proporção para que os papéis de professor e aluno não se confundam. Por meio da afetividade e da boa relação, o professor poderá criar a autoridade sobre sua turma e alunos, sem parecer autoritário. Essa autoridade está diretamente relacionada com a visão que os alunos têm de seu professor e com a forma com que o professor lida com seus alunos. Freire também aponta o diálogo como a melhor forma de se resolver qualquer problema e situação junto aos alunos. Através do diálogo, o sentimento de respeito e autoridade se faz possível no ambiente escolar.

Partindo dessa premissa, Schender (2012, pág. 6) afirma que o professor deve conhecer as diferentes dimensões que fazem parte da prática docente, “não somente para adaptar, mas para transformar a realidade, num processo de recriação e intervenção”. Isto não se refere somente ao ato de ensinar, mas também quando se depara com situações de indisciplina.

            Compreender o meio social em que o aluno está inserido é muito importante para o professor, que estará mais preparado para lidar com casos de baixo rendimento e de indisciplina. Entender, conhecer a realidade do aluno pode ajudar bastante na superação de problemas, de modo que o aluno adquira confiança no professor, estreitando os laços de interação. A realidade do aluno está fortemente ligada ao meio familiar onde ele vive e qualquer intervenção sobre o aluno sem tentar entender a configuração familiar pode resultar mais em conflitos do que em sucesso.

            Rebelo (2002, pág. 69) considera que a família também tem responsabilidade sobre a indisciplina, pois ela exerce influência no comportamento do aluno na escola. Em seu estudo, quando coordenadora de uma escola pública em São Paulo, a autora enumera três tipos de práticas educativas por parte dos pais que influencia no comportamento dos filhos: Os pais autoritários, que não são de dialogar e pouco afetuosos. São rígidos e controladores, valorizam a obediência às normas estabelecidas e não aceitam questionamentos, recorrendo a ameaças e castigos diante de transgressões. Há os pais permissivos, que são afetuosos e valorizam o diálogo, mas tem dificuldade em corrigir os filhos ou exercer algum tipo de controle. São tolerantes e até coniventes com a vontade dos filhos e não conseguem estabelecer limites.  O terceiro tipo são os pais democráticos, que conseguem maior equilíbrio na relação pais e filhos, sem a necessidade de controle e regulação e, mesmo sendo flexíveis a ponto de procurar compreender os filhos, conseguem estabelecer as regras e os limites sem dificuldade, pois a alta afetividade dá abertura para uma disciplina sem conflitos. 

Certamente, o professor, ao lidar com situações de indisciplina do aluno, irá identificar em que perfil se encaixa os pais ao buscar uma intervenção. Ocorrem situações em que os próprios filhos revelam que tipos de pais ou responsáveis tem, através das suas reações ou da importância que dão para o ato de intervenção.

A autora afirma que há outras questões sociais importantes, mas a família é uma das principais causas externas geradora da indisciplina escolar apontada em seu estudo. Para a autora, é possível buscar resultados positivos quando se faz um trabalho direcionado ao aluno e à família.
De início, é importante ressaltar que, embora a formação familiar seja um fator de influência no comportamento do aluno, como já dissemos, entendemos que seja possível reverter os aspectos negativos dessa influência: Inicialmente, se não é possível a transformação da família, consideramos que, a partir da detecção do problema, seja viável buscar mudanças internas na escola, para que, aos poucos, as mudanças no cerne da família ocorra. (REBELO, 2002, pág. 74)

            Na sociedade contemporânea, lidamos com configurações familiares diversas. Essas novas formas em que estão organizadas as famílias também podem refletir sobre a indisciplina na escola. O mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, tem afastado os pais ou responsáveis do contato com o filho, as mães não são mais simplesmente “donas do lar”, buscando uma alternativa para complementar a renda ou sendo elas próprias as responsáveis pelo sustento da casa. Quando não há uma adequação a essa realidade, em termos de educação, pode deixar a criança sem parâmetros que dariam sustentação à formação de sua personalidade.

            De acordo com Santos e Nunes (2006, pág. 16), a família possui grande influência sobre o indivíduo em fase de amadurecimento emocional. E, embora a família não transmita todos os valores sociais, ela precisa assumir a sua responsabilidade educativa. A escola e a família são duas instituições que trabalham o ser o humano em formação e em desenvolvimento. Compreender a realidade do aluno, diagnosticar suas dificuldades e buscar soluções em conjunto pode colaborar para superar os casos de indisciplina na escola.

2.4 A ESCOLA NO CAMINHO CERTO: POSSIBILIDADES DE PRÁXIS EDUCATIVA
            A escola exerce uma função social imprescindível nos dias de hoje. É o lugar de adquirir conhecimento e também de promover valores e atitudes, necessários para que o fazer pedagógico aconteça. Santos e Nunes (2006, pág. 14) falam da imagem social da escola, onde “a educação, num sentido mais amplo, não deixa dúvida de sua função social, sendo um fator decisivo da hominização do homem” Para os autores, a escola possui mais funções do que parece e não se restringe apenas ao ensino de conteúdos e atribuições de nota.
A educação moderna vai se configurando nos confrontos sociais e políticos, ora como um dos instrumentos de conquista da liberdade, da participação e da cidadania, ora como um dos mecanismos para controlar e dosar os graus de liberdade, de civilização, de racionalidade e de submissão suportáveis pelas novas relações sociais entre os homens. (ARROYO, 1995, pág. 36 Apud SANTOS e NUNES, 2006, pág. 15) 
           
            Sabe-se que a origem da indisciplina escolar está ligada a diversos fatores. A causa pode estar centrada no aluno, na família e outros alheios ao contexto escolar. Todavia, há fatores geradores de indisciplina que estão ligados ao professor, ao processo pedagógico e ao campo administrativo.  Para Garcia (1999, 101) a indisciplina é uma fonte de estresse nas relações interpessoais, onde a relação professor-aluno acontece de maneira conflituosa, tornando-se o principal problema em sala de aula.
Mas, além de constituir um “problema”, a indisciplina na escola tem algo a dizer sobre o ambiente escolar e sobre a própria necessidade de avanço pedagógico e institucional. Trata-se de uma questão, portanto, a ser debatida e investigada amplamente.

Então, faz-se necessário refletir sobre o papel dos profissionais que fazem parte da instituição escolar e como cada um desses atores lida com a indisciplina. Garcia (1999, pág. 105) defende a necessidade de a escola desenvolver uma “diretriz disciplinar de base pedagógica ampla, legitimada pela comunidade escolar e consonante com seu projeto político-pedagógico

A verdade é que boa parte dos profissionais da escola não estão preparados ou tem dificuldade de enfrentar os problemas de indisciplina, deixando de exercer uma função preventiva e interventiva que alcance resultados satisfatórios. Mas não basta atribuir ao professor ou a outro profissional a culpa pela indisciplina. É necessário compreender a causa que a desencadeia e desenvolver estratégias a serem aplicadas sobre os problemas geradores de indisciplina. É o tipo de ação que só será possível através do trabalho coletivo, onde o campo pedagógico e administrativo somam forças por um objetivo em comum.

O fato é que o professor é o profissional que está em contato constante com o aluno. Se há indisciplina, ele precisa assumir sua responsabilidade e transformar a realidade que o cerca e que o incomoda. Pode ser que até parte dos alunos esperem uma tomada de decisão por parte do professor, considerando que nem todos os alunos são indisciplinados e alguns se sentem desconfortáveis diante desse problema.

Golba realizou uma pesquisa do tipo etnográfica com alunos do Ensino Fundamental durante o seu Mestrado em Educação, ao que ela denomina de “Os motivos da indisciplina na perspectiva dos alunos”. A autora considera interessante analisar a indisciplina na perspectiva dos alunos.
Através da análise dos dados da pesquisa pudemos constatar a legitimidade da indisciplina para os alunos. Eles, de fato, conseguem atribuir um motivo e um significado para as expressões de indisciplina. Quando relatam as expressões de indisciplina, seja na sala de aula ou fora dela, os alunos expõem os motivos que os levam a agir daquela maneira. Percebemos ainda, através das falas, que o significado atribuído por eles seria de natureza pedagógica, ou seja, que a indisciplina viria para denunciar a fragilidade da prática do professor, através principalmente, da ausência de planejamento e de organização das aulas, o que poderia, também, denunciar a fragilidade do currículo. Os alunos relatam muito bem essa situação utilizando expressões como: “os professores entram na sala e ficam procurado o que dar naquela aula”, “perguntam onde foi que pararam na última aula”, “as vezes esquecem que tinham marcado prova. (GOLBA, 2009, pág. 5)

Para a autora, o professor não pode ignorar as forças sociais atreladas ao comportamento do aluno. Se para o professor, a indisciplina está ligada ao comportamento do aluno, os alunos, por sua vez, apontam as causas da indisciplina relacionada ao fazer pedagógico do professor. Por isso, Golba (2009, pág. 7) considera que “algo precisa ser (re)pensado, (re)feito e (re)significado dentro de sala de aula, sobretudo na dimensão da organização das aulas e do próprio currículo.”

De acordo com Gotzens (2002, pág. 58), um dos requisitos para evitar a indisciplina é o planejamento do processo de ensino. Para a autora, o planejamento é o primeiro passado que o professor pode dar para evitar os problemas de comportamento. O planejamento das atividades, dos recursos, os procedimentos, os objetivos que o professor pretende alcançar ajuda não somente o trabalho docente, mas previne casos de indisciplina pela “falta de correspondência entre as expectativas do professor e as possíveis respostas dos alunos”, aponta a autora.

Rebelo (2002, pág. 75), em seu estudo supracitado, afirma que outro fator determinante para a indisciplina é o currículo escolar que, dentro da concepção bancária, serve como colaborador da domesticação dos alunos. Para ela, um currículo fechado e estático, onde a prática docente, a escolha dos conteúdos e a avaliação apenas cumpre o papel de reprodutor social. Portanto, refletir sobre as implicações do currículo no contexto de ensino e aprendizagem e as razões que leva a indisciplina a representar resistência e contestação, bem como buscar uma ressignificação do currículo enquanto objeto historicamente construído, oportunizará a construção de um currículo onde a prática pedagógica que ocorre na sala de aula e na escola possa produzir um contexto favorável ao ensino e a aprendizagem.

Entende-se por currículo escolar um plano sistematizado e estruturado que busca a construção social do conhecimento. É composto por eixos que envolvem uma dimensão obrigatória definida por diretrizes curriculares em comum e uma dimensão política, que envolve aqueles que fazem parte da escola para a construção do Projeto Político Pedagógico.

Rebelo (2002, pág. 86) observa que o Projeto Político Pedagógico, que deve, na prática, ser refletido no cotidiano da escola, é um documento elaborado apenas para fins burocráticos, perdendo a sua essência, que é perpassar o tempo todo sobre as atividades escolares. Ora, se a indisciplina se configura como uma forma de contestação ao currículo desenvolvido na escola, dificilmente obterá sucesso nas medidas de intervenção e prevenção se a escola não repensar a função social do Projeto Político e Pedagógico.

Enquanto coordenadora da escola onde atuou, Rebelo viu a necessidade da construção de um Projeto Político Pedagógico problematizador. A autora relata suas dificuldades diante dessa etapa, considerando que a necessidade de rever o plano escolar requer também a necessidade de rever a prática docente, havendo uma forte resistência por parte dos professores.

Estes, diante da realidade de que eram responsáveis, também, pela indisciplina e pela má qualidade do ensino, fechavam-se a qualquer atitude que os fizessem tomar consciência disso, tornando-se ou desconfiados, agressivos e antipáticos ou aparentemente não demonstravam resistência, aceitando aquilo que era apresentado nos textos. Segundo Reich, essa é a pior forma de resistência, chamada de “resistência latente” (1998;41). (REBELO, 2002, pág. 89)
           
            Fica explícita a importância da equipe pedagógica, em consonância com a equipe administrativa, em buscar de forma efetiva o envolvimento e sintonia com a equipe docente. O compromisso dos envolvidos na prática escolar por uma “educação problematizadora”, segundo Rebelo (2002, pág. 95), irá refletir na qualidade do processo educativo e a superação da indisciplina na escola.
            A gestão escolar tem um papel decisivo quantos às ações de prevenção e intervenção da indisciplina na escola. Quando a gestão realiza um trabalho em parceria, com responsabilidades definidas e dá sustentação ao trabalho pedagógico, as relações interpessoais, também necessárias no trabalho administrativo e pedagógico, tornam-se mais harmônicas por meio do trabalho coletivo.

            Garcia (1999, pág. 105) ressalta que o desenvolvimento de uma diretriz disciplinar deve ser amplamente “legitimado pela comunidade escolar, consoante com o seu Projeto Político Pedagógico”. De acordo com o autor, quando as diretrizes disciplinares desenvolvidas têm o envolvimento da comunidade e a participação dos alunos, “favorece o sentimento de pertença e implica o exercício de algum grau de poder sobre as disposições coletivas, bases na criação de um senso de responsabilidade comum”. Portanto, é necessário estabelecer uma relação mais próxima entre escola e comunidade, envolvendo os pais nas discussões pertinentes às atividades sobre as quais eles podem contribuir, incluindo a questão da indisciplina.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
            No decorrer deste artigo, procuramos abordar a indisciplina escolar à luz de diferentes olhares. Fenômeno presente nas discussões entre os educadores, faz-se necessário um olhar mais crítico sobre o problema, assumindo uma postura reflexiva e transformadora da realidade e da práxis educativa.

            Considerando que a indisciplina não é um problema cuja causa está exclusivamente ligada ao aluno, os apontamentos que se desenvolveu nesse artigo mostram os diversos fatores geradores da indisciplina escolar, que está ligada à concepção de educação e às relações de poder presentes no espaço escolar, bem como às causas externas, que precisam ser não somente compreendidas, mas também ajustadas por meio de estratégias.

            O comportamento considerado indisciplinado não deve ter como único foco as sanções disciplinares que fazem parte do regimento da escola. Uma nova compreensão sobre este fenômeno desencadeará respostas decorrentes de causas mais profundas, como o denuncismo dos alunos diante da prática pedagógica dos professores e do currículo escolar que não atende suas expectativas e anseios e, consequentemente, afeta significativamente o processo de ensino e aprendizagem.

            Para lidar com os problemas de indisciplina vivenciados na escola, é necessária uma sintonia entre os profissionais da escola, de modo que desenvolva políticas internas com a participação da comunidade e dos alunos, de maneira que o envolvimento coletivo seja consciente e responsável e todos se sintam pertencentes à mudança que se pretende obter.

            Embora a indisciplina tenha causas externas e internas, a superação sobre ela deve partir da escola, que precisa antes repensar sobre o seu currículo, sua concepção de educação e o modo como o fazer pedagógico acontece. A transformação perpassa por esse caminho, que abrirá novos horizontes na missão desafiadora de promover o ensino e aprendizagem com melhor qualidade e com diretrizes disciplinares mais conscientes e construídas dentro de uma dimensão preventiva.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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