sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Período do Arcadismo em Portugal


        O Arcadismo, também considerado como neoclassicismo, é o período que caracteriza principalmente a segunda metade do século XVIII. Arcadismo vem da palavra Arcárdia, nome de uma região montanhosa do Peloponeso, na Grécia. Essa região era considerada, no plano mitológico, como o lugar da morada dos deuses, e no plano real, Arcádia era uma região habitada por pastores, que além do pastoreio, dedicava-se à poesia.


            No início do século XVIII, ocorre a decadência do pensamento barroco e o espírito reformista envolve este século numa valorização antropocêntrica, em que o predomínio da razão faz com que o homem elimine a fé e a crença religiosa, conflituosa do período barroco. O desenvolvimento tecnológico, industrial, social e científico é impulsionado pelo saber racional, que provoca uma verdadeira revolução do pensamento moderno.


            O Arcadismo corresponde a um período de mudanças marcantes na vida européia como um todo. Essas mudanças fazem parte de um movimento cultural chamado Iluminismo. Por isso, o século XVIII é conhecido como o “séculos das luzes”. A crença no homem, o racionalismo, os aspectos políticos e econômicos propiciaram a formação de capitais e o surgimento de uma nova classe, a burguesia, que se pode afirmar como força política e econômica durante esse período.


            Nesse movimento, acreditava-se que, para tirar os homens das trevas da ignorância e das superstições, seria necessário dar-lhes ''as luzes'' da ciência, procurou-se reunir todo o conhecimento cientifico e filosófico e divulgá-lo para a maior quantidade possível de indivíduos. Nesse contexto, o filósofo francês Diderot, auxiliado por D'Alembert, organiza a grande Enciclopédia. Entra em cena o Iluminismo, movimento que acreditava que a ciência, o progresso e a liberdade eram meios de trazer felicidade aos homens, contrapondo-se ao Estado Absolutista. Era a ideologia da burguesia em ascensão, que resultou na Revolução Francesa, na independência dos Estados Unidos e no cenário brasileiro, na Inconfidência Mineira.

            Com características reformistas, a Arcadismo pretende reformular o ensino, os hábitos, as atitudes sociais, uma vez que é a manifestação artística de um novo tempo e de uma nova ideologia. O exagero da expressão barroca havia se cansado, atinge um estágio estacionário e decadente, perdendo terreno para o subjetivismo da burguesia, predominando sobre a questão religiosa. A ciência é impulsionada, a máquina a vapor é aperfeiçoada e o trabalho artesanal começa a ser substituída por máquinas. O processo industrial atrai os camponeses, ocasionando o crescimento, o abandono do campo e o aumento das tensões sociais. Portugal sofreu influências da cultura italiana, espanhola e francesa, o que provocou a emancipação política da burguesia.


            Em Portugal, o Arcadismo estende-se desde 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana, até 1825, com a publicação do poema “Camões”, de Almeida Garret, considerado o marco inicial do Romantismo português. Nesse momento, surge as primeiras arcádias, reuniões, grupos de poetas que buscavam a recuperação dos ideais clássicos, considerados fontes de equilíbrio e sabedoria. Daí o nome arcadismo, pois a Arcádia, morada dos pastores, representava o lugar ideal para a obtenção de equilíbrio e sabedoria. E por essa razão os poetas árcades se autodenominavam pastores e adotavam pseudônimos gregos e latinos. A fundação da Arcádia Lusitana, representou, entre outros aspectos, um movimento contra o Barroco. Um de seus símbolos foi o Inutilia Truncat”, uma frase latina que significa “cortar as inutilidades”, uma clara referência aos exageros do Barroco.

O Arcadismo é também chamado Neoclassicismo, porque é uma volta à antiguidade clássica  greco-romana, propondo-se a explorar a estética desta época e também a do Renascimento, no século XVI. O Arcadismo pode ser visto, sob o ponto de vista ideológico, como uma arte revolucionária. Contudo, do ponto de vista estético, é uma arte conservadora, pois ainda se liga à tradição clássica, tanto tempo cultivada pelas cortes aristocráticas.



É a partir da clara reação contra os exageros do Barroco que surgem os principais temas do Arcadismo:
• EQUILÍBRIO
• BUCOLISMO
• CONVENCIONALISMO
CARPE DIEM

Os árcades propunham o retorno aos modelos clássicos, porque neles encontravam o equilíbrio dos sentimentos por meio da razão, que seria a força controladora dos excessos. Buscavam, ao contrário do Barroco, uma linguagem simples, com períodos diretos e vocabulário fácil, sem o uso exagerado de figuras de linguagem, cortando tudo o que fosse inútil, desnecessário. Para eles, a literatura deveria ter um caráter mais didático, contribuindo para a formação da consciência. Os árcades exaltavam a virtude, a humildade, o comedimento. Seus heróis eram sempre pastores anônimos e felizes. Essa felicidade era basicamente conseguida através da segunda característica do Arcadismo.

Inspirados pelo preceito do poeta latino Horácio “fugere urbem” = “fugir da cidade, da civilização” os árcades acreditavam que somente no contato com a natureza, com o “locus amoenus”, “lugar ameno” o homem poderia alcançar o equilíbrio e a espiritualidade. Numa época em acontecia o crescimento das cidades, através do acelerado processo de industrialização, o Arcadismo pregava a volta à vida simples do campo. Daí a freqüência de temas pastoris e cenas campestres durante todo esse período. É importante observar que essa natureza correspondia a um cenário artificial, criado pelo poeta, que fala de riachos cristalinos, lindos campos, relva verde, mas que se encontra em
pleno centro urbano, é o chamado “fingimento poético no Arcadismo”, observado por vários estudiosos.

Outra característica é o convencionalismo, ou seja, as frases feitas, os clichês e os lugares comuns. Como: as ovelhas, os pastores e as pastoras, os montes, as ninfas e todos os demais elementos da natureza artificial criada pelo poeta árcade. Esse convencionalismo torna a poesia árcade, de uma maneira geral, marcada pela pouca expressividade e artificialismo. Além da monotonia provocada pela repetição, por vezes exaustiva, de temas bucólicos e pastoris.

Um último aspecto marcante dessa poesia é a filosofia do Carpe Diem “aproveitar o dia”, o “viver intensamente os momentos”. O tema da fugacidade da vida é muito comum em toda a literatura ocidental, o próprio Barroco o utilizou, mas visto por um ângulo negativo, próximo da idéia da morte. Agora o poeta árcade vai utilizá-lo como um convite amoroso, como insinuação erótica. O pastor, o poeta, consciente da brevidade da vida chama a pastora, a amada para que juntos aproveitem a vida.

Dentre os vários poetas árcades de Portugal, o que mais se destacou foi Manuel Maria Barbosa du Bocage, ou simplesmente Bocage. Bocage teve uma vida muito conturbada, após alguns anos de estudo dedica-se a vida boêmia e passa a freqüentar os bares portugueses e a conviver com prostitutas, marinheiros, vagabundos e com algumas poucas pessoas de nível social e literário mais elevado. Era conhecido com arruaceiro e aventureiro e, assim como Camões, foi soldado e durante alguns anos viveu e viajou pelas colônias portuguesas no Oriente. Há várias semelhanças entre sua vida e a de Camões, a tal ponto que em muitos momentos Bocage traça um paralelo entre elas, como nesse soneto:

“Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrilégio gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és ... Mas, oh tristeza! ...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.”

Bocage, assim como outros tantos poetas árcades adotou um pseudônimo pastoril, assinava suas poesias como o nome de Elmano Sadino. Elmano é um anagrama de Manuel, seu primeiro nome, ou seja, uma nova palavra formada pela troca das letras de uma primeira palavra. E Sadino é uma referência ao rio Sado, que corta a cidade de Setúbal, onde o poeta nasceu.

Os estudiosos costumam dividir a obra de Bocage em dois momentos: um lírico e um satírico.

Sua poesia lírica mostra-se presa aos modelos do Arcadismo, povoada por pastores e imagens campesinas. Também se dedicou à poesia encomiástica, que como já vimos, era destinada à exaltação, à bajulação dos poderosos da época. Conta-se que Bocage, assim como outros poetas da época, viveu à sombra dos nobres, como faziam os bobos da corte durante a Idade Média.

Como poeta satírico, Bocage tinha por alvos principais os habitantes das colônias portuguesas, o absolutismo político e religioso, e muitas vezes os seus próprios colegas árcades.

Como poeta erótico, Bocage foi censurado em sua época e até hoje, muitos livros escolares não trazem exemplos dessa poesia erótica, marcada pela força poética e pela força em ser grosseira, vulgar, e referindo-se, muitas vezes, a atos obscenos.

Mas é sua poesia pré-romântica, contrária ao impessoalismo e ao convencionalismo, que o distingue dos demais árcades. Bocage valorizou o subjetivo, o sentimental através de uma freqüente luta entre a razão e a emoção, luta essa, que muitas se reflete numa visão pessimista e fatalista da existência. Em vários poemas os riachos e os pastores são substituídos por imagens fúnebres e sentimentos negativos. Como nos mostra o famoso soneto “Sobre estas duras, cavernosas fragas”.

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n’ alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.
Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.
Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objetos de horror co’a idéia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.
Razão; de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.

Principais autores e obras de poetas árcades:
Manuel Maria Barbosa Du Bocage: Obras principais - Idílios Marítimos (1791); Obras Poéticas (1812-1813) e Verdadeiras Inéditas Obras Poéticas (1814).
Antonio Diniz Cruz e Silva: Obras principais - Odes Pindáricas, 1801; O Hissope, 1802;
Correia Garção: Obras principais - Assembléia ou Partido; Obras Poéticas.
Francisco José Feire, o Cândido Lusitano: Obras principais – Vieira defendido, Lisboa, 1746; O Secretário Portuguez Cómmodos à Instrucção da Mocidade Confirmado com Selectos Exemplos de Bons Autores, Lisboa, 1745;
Marquesa de Alorna: Obras principais – Alcippe, Lisboa, 1844;


Fontes:


Enciclopédia Mundial de Pesquisa, Editora Lisa (Autor, edição e ano de publicação não encontrados);
Enciclopédia Programa de Assistência ao Estudante, Editora Iracema, 1ª edição, 2002;

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