sábado, 28 de abril de 2012

Variação da Lateral Palatal: uma palhinha no falar do Campus Paricarana



VARIAÇÃO DA LATERAL: UMA PALHINHA NO FALAR DO CAMPUS PARICARANA

Leonilto Manoel da Cruz
Letras/UFRR


RESUMO - Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa sobre a variação da lateral palatal / ʎ/ e da palatalização da lateral alveolar /l/, realizada com 13 acadêmicos da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com idade entre 20 e 25 anos e que nasceram em Boa Vista ou vivem há mais dez anos. A pesquisa seguiu os pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista.  O registro dos dados foi feito por meio de entrevistas, onde os informantes respondiam aos questionários de modo que produzissem a palavra a ser analisada na pesquisa, seja de forma isolada ou dentro de uma frase. Os resultados tiveram um enfoque quantitativo e qualitativo, bem como os critérios lingüísticos que podem condicionar a variação / ʎ/,  em que as estatísticas apontam a predominância do fonema / ʎ/ diante dos alofones [ʎ e lj], o que coloca em evidência a padronização no uso deste fonema – e a palatalização da lateral alveolar /l/ diante da vogal alta anterior [i], embora com menor produtividade.
Palavras-chave: lateral palatal, variação fonética, palatalização

Introdução
No sistema consonantal do Português Brasileiro, a lateral palatal / ʎ/ é um dos segmentos menos produzidos pelos falantes. Entretanto, esse fonema, quando produzido, oferece grande possibilidade de variação, pois apresenta um comportamento variável, ora como lateral palatal [ʎ], ora como lateral alveolar palatalizada [lj],  Mota (2006, p.148) define palatal como “um traço distintivo das consoantes que tem como zona ou ponto de articulação o palato duro, ou seja, uma parte da língua, a anterior ou média, toca uma das partes do palato duro”. Segundo o autor, os fonemas palatais podem variar quando à zona de articulação, como é o caso do fonema / ʎ /, descrito fonética e fonologicamente como consoante oral, sonora, lateral, palatal ou dorso-palatal. Segundo Silva (2203, p.65), na articulação da lateral palatal / ʎ/, “a parte média da língua levanta-se em direção ao palato duro e a ponta da língua encontra-se abaixada próxima aos dentes frontais inferiores”.
Neste estudo sobre essas variantes, identificamos várias realizações com a predominância do fonema /ʎ/, como em “ovelha” [o’veʎә] para as laterais palatais, com as variantes lateral alveolar palatalizada /lj/, como em “julho”   [ʒu ljʊ]. Por se tratar de acadêmicos, em que o nível de escolaridade influencia no conhecimento da fala, não foram produzidas a iotização, ou seja, a variação /y/, como em “mulher” [mu’yԐ].
  

A  pesquisa foi realizada com 13 acadêmicos do Campos do Paricarana da Universidade Federal de Roraima (UFRR), entre 20 a 25 anos, que nasceram em Roraima ou vivem no estado há mais de 10 anos. Desse modo, a composição da amostra da fala é obtida sobre os dados coletados dentro dessa perspectiva. As entrevistas foram realizadas no mês de junho de 2011, em um esquema de perguntas e respostas, com objetivo de focar palavras isoladas ou em frases. Através de um gravador de áudio, as entrevistas colhidas serviram posteriormente para as transcrições fonéticas, corpus da pesquisa.
A partir dos dados coletados, identificamos que a distribuição das variantes mostra que as realizações fluem apenas entre [ʎ, lj], como nas formas [o’veʎә] ~ [o’ve ljә]. Essa variação ocorre de um falante para outro ou dentro da produção de um mesmo falante, alternando entre os segmentos [ʎ, lj].
O estudo também analisa a palatalização do fonema /l/, realizada foneticamente como /lj/ quando se encontra diante da vogal alta anterior [i]. O resultado mostra que alguns informantes produzem a palatalização de /l/, como em “liquidificador” [ljikwidʒifika’do].

A variação da vogal tônica média-alta que antecede o fonema /ʎ/
No quadro abaixo, percebemos que os informantes variam entre /ʎ/ e /lj/. Segundo Silva (2003, p.148), “a alofonia da lateral palatal aplica-se individualmente ou em grupos. O fonema  /ʎ/ pode relacionar-se a um único alofone – que pode ser um dos segmentos (ʎ, lj, y)”. Para a autora, o fonema / ʎ/ pode relacionar-se a pares, alternativamente, como em [ʎ, lj] ou [lj, y]. Neste quadro, podemos observar a ausência do alofone /y/, considerando o nível de escolarização dos Informantes. Em algumas respostas, identificamos um prolongamento da vogal tônica média-alta, a exemplo [a’be:ljә], produzida pelo informante 12. Isto ocorre devido a ênfase que o falante dá à tonicidade e o contexto antecedente da sílaba. Considerando a resposta deste falante e de outros (anexo 1 e 2), ainda que predomine o alofone / ʎ/, há uma variação para /lj/ quando produzem a palavra com um prologamento [:] na vogal tônica. É interessante destacar que o prolongamento ocorreu somente em momentos que dava ao falante a liberdade de ampliar a sua resposta, como por exemplo, na segunda pergunta do questionário (anexo 1), em que o informante, ao produzir a palavra em estudo, também refletia sobre alternativas de respostas. Na segunda pergunta do questionário – Quais são os insetos polinizadores que você conhece? - enquanto o informante dava a resposta “abelha”, pensava também sobre outras possibilidades de respostas. Já em perguntas que em que o informante dava apenas uma resposta, sem a necessidade de refletir em alternativas, não houve prolongamento.

  
Quadro 1 – A variável / ʎ/ em vogais tônicas média-alta:
Variantes
[o’veʎә]
[o’ve ljә]
[a’beʎә]
[a’beljә]
[a’be:ljә]
[o’ɾe ʎә]
[o’ɾe ljә]
[o’ɾe: ljә]
No de informantes
9
4
7
1
4
9
3
1
Total de informante
13
13
13


Existe despalatalização, iotização e apagamento entre os universitários?
Segundo Mota (2006, p.149), os fonemas / ʎ/ e /ɲ/ podem perder o traço palatal, sendo articulados como alveolares /l/ e /n/, como iode /y/ ou até mesmo sofrer apagamento, devido a facilidade ou relaxamento de articulação.  Silva (2003, p.40), diz que “pode ocorrer a vocalização da lateral palatal e neste caso temos um segmento com as características articulatórias de uma vogal do tipo [i] que é transcrita como [y]”.
Mota (2006, p.150) diz que
há autores que consideram esse fato um fenômeno fonético. Outros acham que é um problema de influência africana, uma mudança fonética do latim para o português, ou ainda, um fato que pode vir a ser fonológico, gerando um novo fonema e não apenas uma articulação diferentes dos fonemas / ʎ/ e /ɲ/.
O autor diz ainda que a perda do traço palatal na articulação de um fonema, a despalatalização, pode ser considerada como uma variação regional, social, estilística ou individual. Ao tratar das consoantes / ʎ/ e /ɲ/ nas palavras, Câmara Jr (1972, p.38 apude MOTA, 2006) considera uma neutralização na posição não-intervocálica de /l - ʎ/ e /n - ɲ/
Em suas palavras:
Podemos dizer que em uma posição não-intervocálica há uma neutralização das oposições entre [...] liquida lateal /l/ e liquida palatal, ou molhada / ʎ/, e entre nasal dental /n/ e nasal palatal, ou molhada / ɲ/, em proveito do primeiro membro de cada par.
Para Câmara Jr (1977, p.149 apud MOTA, 2006), “a despalatalização pode ser muitas vezes um fato fonológico, já que podemos ter uma mudança de significado do signo, tanto no caso da despalatalização / ʎ >l/ como com a iotização / ʎ > y/”. O autor descreve iotização como a “mudança de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta / i/ ou para a semivogal correspondente ou iode”. Em relação ao apagamento do / ʎ > Ø/ e / ɲ > Ø/, que implica na ocorrência do zero fonético, há pouca ênfase dos autores neste assunto.

O nível de escolaridade dos informantes teve uma grande influência para a ocorrência das variantes em estudo, tendo em vista que a despalatalização, a iotização e o apagamento são mais favorecidos por fatores regionais ou em grupos com baixo nível de escolaridade, enquanto que a manutenção dos fonemas / ʎ/ e /ɲ/ é favorecida pelo nível universitário, corpus desta pesquisa.
No quadro abaixo, vamos observar a despalatalização, a iotização e o apagamento diante dos fonemas / ʎ/ e /ɲ/. Neste quadro podemos perceber que não houve despalatalização e nem iotização, apenas apagamento diante do fonema / ɲ/, no caso de “galinha”,em que alguns produziram [ga’lĩә ~ ga’ljĩa]. Considerando a proporção do apagamento apenas nessa palavra, o índice de ocorrência foi de 80%. Uma das teorias que explica esse fenômeno seria o afrouxamento de articulação, denominado como a lei do menor esforço, que segunda a fonética, ocorre quando uma articulação é substituída por outra que exige menos dos órgãos fonadores envolvidos.
Quadro 2 – ocorrência da despalatalização, iotização e apagamento diante dos fonemas / ʎ/ e /ɲ/.

Alofones
Ocorrências
%
[l]
0/183
0%
[Ø]
8/183
5%
[y]
0/183
0%

No corpus estudado, há uma predominância quase absoluta do apagamento no / ɲ/ antecedido da vogal fechada /i/ restando, contudo, a nasalização.

A permanência do / ʎ/ como alofone predominante
Na maioria das respostas ocorreu a predominância do /ʎ/ na vogal baixa e em  final de vocábulo, como em “trabalho” [tɾa’baʎʊ], e medalha [mԐ’daʎә]. Dos índices que apontam o menor favorecimento do alofone /ʎ/, identificamos menor produtividade diante das vogais altas, como em “julho” [‘ʒuʎʊ] e “mulher” [mu‘ʎԐɹ]. Em relação às vogais médias, a produção do /ʎ/ se mostra mais desfavorável que na vogal baixa variando entre [ʎ ~lj], como em “abelha” [a’beʎә] ~ [a’beljә] e “joelho” [ʒʊ’eʎʊ] ~ [ʒʊ’eljʊ].


Quadro 3 – segmento fonético antecedente ao / ʎ /
Segmento fonético antecedente
ʎ
Ocorrências
%
Vogal baixa [ a, ә]
37/46
80%
Vogais Médias [Ԑ, e , ᴐ, o]
48/62
77%
Vogais altas [u, i]
28/39
71%

Quadro 4 – concorrência entre / ʎ / e /lj/

Alofones
Ocorrências
%
[ʎ]
113/146
77%
[lj]
33/146
23%
Total
146/146
100%

Para Madureira (Revista Estudo da Linguagem, 1997, no5, p.6), “os falantes do grupo social mais alto usam /ʎ/ em contextos de fala referenciais, mas essa variante deixa de ser categórica para alguns deles quando se trata de contexto de fala afetivo. Um exemplo é o uso de [mu‘ʎԐh] no contexto de fala referencial e [mu‘yԐ] no contexto de fala afetivo.

Apesar da baixa produtividade de /lj/, o corpus da pesquisa revela que esta é a segunda variante mais utilizada pelos informantes, ocorrendo uma maior produtividade na vogal alta, como em “julho” [‘ʒuljʊ] e diante do prolongamento da vogal tônica que antecede o fonema / ʎ/, como em “abelha” [a’be:ljә].

A palatalização da lateral /l/
Segundo Silva (2003, p.63), o fonema /l/ corresponde a um segmento lateral vozeado, podendo ter articulação alveolar ou dental, dependendo do dialeto. No corpus da pesquisa, encontramos a realização [‘ljivɾʊs] para “livro”, em que o fonema /l/, diante da vogal alta anterior [i], passa por um processo de palatalização e é realizado foneticamente como /lj/.  Silva (2003, p.85) explica que nos casos que ocorre a produção da lateral alveolar (ou dental)

é articulada juntamente com a propriedade articulatória secundária de palatalização. Neste caso, o falante levanta a ponta da língua em direção aos alvéolos ou aos dentes incisivos superiores (como na articulação da lateral em “bala”). Concomitantemente, a região média da língua é levantada em direção ao palato duro. Temos então uma consoante lateral alveolar palatalizada que é transcrita como [lj].
Em termos de realizações, a autora faz distinção entre a consoante palatal e a palatalizada. Na consoante palatal, o som é produzido com a obstrução da passagem do ar na região palatal pelo levantamento da parte média ou central da língua que quase toca o céu da boca. O ar escapa lateralmente, enquanto a ponta da língua se encontra abaixada próxima aos dentes inferiores frontais, ocorrendo a realização [ʎ]. Se, ao invés dessa realização, levanta-se a ponta da língua em direção aos alvéolos ou aos dentes, no momento em que a região central da língua é levantada em direção ao palato duro, ocorre então uma lateral palatalizada [lj]. Do ponto de vista articulatório, o som palatalizado se distingue do palatal por ser produzido mais a frente da cavidade bucal.
Como pode ser visto no quadro 4, percebemos que houve uma predominância da lateral alveolar  na fala da maioria dos informantes, mas alguns variaram para a lateral palatalizada [lj]:
Quadro 5 – a palatalização do /l/ diante da vogal anterior [i]
Alofones
Palatalização do /l/
Ocorrências
%
[l]
21/30
70%
[lj]
9/30
30%
Total
30/30
100%

A maior variação da lateral palatalizada /lj/ ocorreu diante da palavra “liquidificador” [ljikwidʒifika’do] e “galinha” [ga’ljĩә], como 40% de ocorrência, respectivamente.

Conclusão
O estudo sobre a fonema / ʎ/ na fala dos acadêmicos da Universidade Federal de Roraima (UFRR) demonstrou que a consoante lateral palatal [ʎ] está presente na fala de todos os informantes, concorrendo, sobretudo com [lj]. Conforme apontado no quadro 4, 77% dos informantes fazem uso do alofone [ʎ], variando para [lj] em ambientes em que a articulação se torna mais favorável, como a presença de vogais altas como segmento fonético antecente, por exemplo. Dos 23% dos informantes que fizeram uso do [lj], apenas um informante produziu esse fonema como predominante.

Identificamos também a ausência da despalatalização e iotização sobre o fonema / ʎ/, cuja explicação está no fator social relacionado ao grau de escolaridade dos informantes. Em relação ao apagamento, essa ocorrência foi registrada apenas diante do fonema /ɲ/, com 80% de ocorrência diante da palavra “galinha”, em que o fonema é antecedido da vogal alta anterior /i/.
Sobre a palatalização da lateral alveolar /l/, constatamos que diante da vogal alta anterior [i], houve uma considerável variação entre [l~lj], verificando-se a semivocalizaçao da lateral alveolar no início e no meio de palavras. 30% dos informantes produziram a palatalização, conforme assinalado no quadro 5.


Referências Bibliográficas
SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e Fonologia do Portugês. 7ª Ed. – São Paulo: Contexto, 2003.
MOTA, Jacyra Andrade. Documentos2: projeto atlas lingüístico do Brasil. Salvador: Quarteto, 2006.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 34ª Ed. – Petrópolis: Vozes, 2001.
MADUREIRA, Evelyne Dogliane. Revistas de Estudos da Linguagem. Belo Horizonte, Ano 6, no 5, v.1, p.5-22, jan/jun 1997


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